Tratar
da subjetividade humana é sempre um assunto bastante delicado. Desde a
definição do conceito até a discussão sobre como é produzida tende a render
muitos debates. Um ponto em que parece haver consenso, no entanto, é de que a
subjetividade é produzida pela cultura em que um indivíduo está inserido e
dita, de um modo ou de outro, a maneira como os indivíduos devem agir, pensar,
perceber, sentir, se relacionar, etc., permeando todas as relações que surgem
na sociedade.
Em uma
sociedade capitalista o que interessa é o lucro e para tanto, deve-se vender,
seja uma ideia, um serviço ou um produto. Torna-se necessário, portanto,
convencer o consumidor de que ele precisa da ideia, do serviço ou do produto e
para atingir este objetivo é preciso, invariavelmente, “atacar” ou controlar os
dispositivos produtores de subjetividade, alienando – principalmente através da
mídia – o sujeito cada vez mais a seu trabalho e àquilo que pode ter para se
enquadrar em uma sociedade de consumidores. Ou seja, para o capitalista, a
ideia que deve imperar é a do “consumo, logo existo”.
Nos
últimos anos, entretanto, percebeu-se que direcionar a publicidade com sua
linguagem sedutora e “persuasiva” para os adultos era pouco. Para se produzir
subjetividades alienadoras e duradouras, formar crenças positivas em relação ao
ato de consumir, e gerar futuros consumidores convictos e leais o ideal é
direcionar esta publicidade para aqueles que estão mais vulneráveis: as
crianças e os adolescentes.
O mundo
social das crianças está cada vez mais sendo construído em torno do consumismo,
onde marcas e produtos vieram para determinar quem está “por dentro” ou “por
fora”, quem faz sucesso ou não, quem merece ter amigos ou status social). E é em
cima desta ideia do “prazer da exclusão”, do ter – e ser “feliz” – ou não ter –
e ser deixado para trás, que a indústria elabora suas campanhas de vendas.
As
crianças determinam 75% das compras de cereais e 73% das de iogurte, assim como
a escolha do destino nas férias (43% dos casos) ou as atividades nas horas de
folga (72%). Por causa de estatísticas como estas, as empresas lançam suas
mensagens diretamente às crianças ou as incitam a convencer seus pais a fazer
certas compras. Para se ter idéia do volume de dinheiro envolvido nesse
mercado, o valor gasto no Brasil em publicidade dirigida ao público infantil
foi de aproximadamente R$210 milhões. Além disso, vale observar que a indústria
voltada para produtos dirigidos a meninas, no mundo, movimenta anualmente US$15
bilhões. No Brasil, só a moda infanto-juvenil movimenta a soma anual de R$10
bilhões, o que corresponde a um terço de toda a roupa consumida no país.
As
imagens publicitárias dirigem-se às crianças, o que é extremamente abusivo,
pois até os 12 anos estas não têm capacidade crítica de entender o caráter
persuasivo das mensagens. Até os quatro anos as crianças não conseguem
diferenciar publicidade de programas. Conforme pesquisa norte-americana, bastam
apenas 30 segundos para uma marca influenciá-las. Se pensarmos que a criança
brasileira passa em média cinco horas por dia em frente à TV (Ibope, 2005), o
grau de exposição a ideias consumistas é absurdo.
O
funcionamento destas produções de subjetividade passa por uma série de
conceitos delicados e complexos, mas que são muito bem dominados pela mídia
publicitária. O emparelhamento de estímulos ligados à percepção e à atenção –
através de mensagens persuasivas e altamente estimulantes – com respostas
emocionais, que tem como consequência a criação de crenças positivas e
desenvolvimento de lealdade a marcas ou produtos e a constante e crescente
fragilização da função paterna em nossa sociedade (tornando o dizer “não” cada
vez mais difícil), são variáveis de grande importância para a criação do “pano
de fundo” favorável ao crescimento e manutenção de ideais consumistas.
Para
Valkenburg e Cantor (2001) existem quatro etapas no comportamento de consumidor
na infância. A primeira fase foi chamada de “Necessidades e Preferências dos
Sentidos” e caracteriza os bebês e os que estão começando a caminhar. Durante
esta fase, as crianças pequenas apresentam preferências distintas por cheiros,
cores, sons e objetos, componentes importantes do comportamento de consumidor.
A segunda fase, “Insistência e Negociação” abrange os anos pré-escolares, idade
em que é difícil para as crianças distinguirem anúncios de programas, além
disso, os pré-escolares são mais prováveis de serem atraídos por produtos
chamativos visualmente e também querem imediatamente o que veem. A terceira
fase, “Aventura e a Primeira Compra” ocorre entre os 5 e 8 anos. As crianças tipicamente
fazem a sua primeira compra solo durante essa fase, tornando-se autênticas
consumidoras independentes de um genitor. A última fase, “Adequação e
Exigência” marca os anos tween, dos 8
aos 12. A capacidade de avaliar criticamente as informações, comparar produtos
e perceber a intenção de venda dos anúncios se desenvolve durante essa época.
Devido à sua atenção aos detalhes e às qualidades, muitas crianças se
transformam em sérias colecionadoras de objetos durante este período. As
habilidades de consumidor continuam a se desenvolver durante a adolescência,
mas no final da escola elementar, todos os fundamentos do comportamento de
consumidor já estão estabelecidos.
O
desenvolvimento da criança envolve uma série de fatores que serão determinantes
no como será o tratamento dado às necessidades de consumir na infância e na
fase adulta. Winnicott, ao abordar a infância, tratou de falar sobre a
identificação da mãe com seu filho e a identificação da criança com a mãe. A
mãe suficientemente boa, para Winnicott, é aquela que dá suporte ao
desenvolvimento do ego do bebê, propiciando a transição entre o funcionamento
psíquico regido pelo prazer ao funcionamento regido pela realidade. Esta
transição se dará a partir de três funções primárias: o holding (relacionado ao acolhimento e ponto de referência segura da
criança), o handling (fundamentado
nos cuidados através do manuseio que a mãe desprende ao bebê) e o object presenting, talvez a função mais
importante na ligação com o consumo, que possibilita ao bebê uma apresentação
progressiva ao mundo externo, estabelecendo uma relação com a realidade
externa. Uma apresentação insuficiente pode bloquear o desenvolvimento de um sentimento
de realidade na criança.
A
publicidade direcionada para este público mais jovem, baseada essencialmente em
peças visualmente estimulantes, pode agir diretamente nesta apresentação de
objetos, caso a função materna não seja desenvolvida de maneira facilitadora. Isto
poderá tornar o estabelecimento de relação com a realidade externa mais
alienado e constantemente envolto nas subjetividades produzidas nesta etapa da
vida. Além disso, para fazer esta transição, é normal que a criança busque um
objeto transicional que irá facilitar e tornar possível a transição para a
realidade. Ao agir nesta transição, a mídia pode estar criando objetos
transicionais que nunca serão abandonados, criando as bases para a padrões
compulsivos de consumo mais à frente na vida do indivíduo.
Outro
ponto de grande relevância para a compreensão do consumismo na infância é a
falha no estabelecimento daquilo que Spitz considera o terceiro organizador da
psique – a comunicação humana, marcada, principalmente, pela compreensão
progressiva das proibições. Para Spitz, o “não” é o primeiro conceito abstrato
formado na mente da criança que representa para ela uma frustração emocional. A
interrupção de uma atividade e o retorno forçado à passividade irão gerar
desprazer na criança gerando resistência por parte desta, fundamento este que
parece estar cada vez mais ausente na criação dos filhos hoje em dia.
Em
Freud, encontramos na angústia da castração, momento em que a função paterna
deve surgir e impor a Lei, qual o momento do desenvolvimento psicológico da
criança em que se estabelecem as raízes para comportamentos histéricos ou
desajustados, e também, para comportamentos compulsivos. As defesas que a
criança terá que desenvolver para lidar com a angústia advinda da castração
podem ter como consequência uma recusa em aceitar aquilo que lhes falta; em
entender aquilo que aquele que lhe impõe a Lei (a função paterna) quer dela.
Uma destas defesas podem ser elaboradas em torno de uma organização compulsiva,
dando margem para a chamada oneomania, que é o ato de comprar compulsivamente,
doença que atinge 1% da humanidade (3% da população no Brasil) e que já atinge
a infância, segundo o neurologista Plínio Ferraz.
Frente
a estas informações torna-se evidente que a relação entre criança e consumo é
muito mais complexa do que se poderia imaginar. Entretanto, parece que a
balança referente à compreensão deste fenômeno parece estar muito mais
favorável àqueles que visam o consumo desenfreado do que àqueles que deveriam mediar
a relação entre as crianças e as mídias existentes.
Em uma
sociedade altamente individualista e hedonista, onde o ter é mais importante
que o ser, parece que negar algo a uma criança implica em falhar enquanto pai
ou, o que é pior, muitas vezes acaba sendo usado como moeda de compensação por
não se julgar presente ou “bom” o suficiente, alimentando ainda mais o
individualismo e o hedonismo. Cabe a estes pais se questionarem a respeito dos
valores que estão passando adiante e refletirem criticamente sobre seus
próprios comportamentos se desejam mudar este cenário de uma sociedade de
consumidores controlada por medos e impulsos.
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