Um dos maiores equívocos a
respeito da teoria de B. F. Skinner, o behaviorismo radical, é afirmar que os
sentimentos não têm lugar em tal teoria. Na realidade, é justamente na atenção
voltada para os sentimentos e outros eventos encobertos que o behaviorismo de
Skinner se diferenciou de seu antecessor, John Watson, para quem só era objeto
de estudo aquilo que podia ser observado e com o qual um grupo de pessoas
concordava. Para Skinner (1991), “a maneira como as pessoas se sentem é,
frequentemente, tão importante quanto o que elas fazem” (p.1).
Na perspectiva behaviorista,
sentimentos não podem ser apontados como causa de um comportamento, sendo
então, um produto de contingências (Moore, 2000). As causas, no behaviorismo
radical expressam as relações funcionais entre eventos, distanciando-se da
ideia de causa e efeito, a qual Skinner refutava (Gongora e Abib, 2001).
Skinner (1991) complementa ao
colocar que os sentimentos são, antes de qualquer coisa, condições corporais e,
embora sejam fáceis de serem confundidos com uma causa – uma vez que se
apresentam enquanto estamos nos comportando – os eventos é que de fato são
responsáveis pelo que fazemos e pelo que sentimos.
O que um sujeito observa através
da introspecção é o estado de seu corpo, condições corporais ou o próprio corpo
se comportando (Gongora e Abib, 2001). A leitura que se faz do sentimento a
partir de variáveis externas, entretanto, é de grande relevância para uma
análise funcional do comportamento emitido por um sujeito.
Em dado momento, esta leitura
encontra respaldo em leituras similares feitas por outros e dá-se um nome a
este sentimento, que será compartilhado e reproduzido pelos pares, destacando a
grande importância que a comunidade verbal tem na nomeação e conhecimento dos
sentimentos por cada indivíduo daquela comunidade, assim como na tendência de
atribuir causa do comportamento aos sentimentos.
O problema, portanto, reside em
representar e reduzir todo o evento ao nome dado ao que se sentiu na
experiência e atribuir a isto a causa da experiência, tal como se nossos
sentimentos controlassem nossos comportamentos; “corremos por causa do medo”, “deprimimos pelo pesar”, “choramos porque estamos tristes”, etc.
(Skinner, 1989, p. 160).
Os sentimentos devem, deste
modo, ser estudados, buscando nos comportamentos que ocorrem juntamente a eles,
os antecedentes na história de vida do sujeito e as consequências para
esclarecer melhor as contingências em que os sentimentos se apresentam sem ter
que recorrer a um “agente criador ou propulsor e que evoca comportamentos”
(Gongora e Abib, 2001).
Rico, Golfeto e Hamasaki (2013)
afirmam que “para o behaviorismo radical, os sentimentos são respostas
eliciadas correlatas de nossos comportamentos” (p.91). Para estes autores, o
que chamamos de sentimentos (raiva, paixão, tristeza, etc) é o conjunto de
eventos públicos (passíveis de observação por outros) e privados ou encobertos
(acessíveis apenas ao sujeito que se comporta).
Dizer que uma resposta é
eliciada é afirmar que um determinado estímulo ambiental pode ter como
consequência certa resposta reflexa incondicionada. A taquicardia em uma
situação real de ameaça, por exemplo. No entanto, outros eventos podem ser
pareados com esses estímulos fazendo com que a resposta reflexa surja também,
com intensidades variadas, em tais eventos. Nestes casos, a resposta reflexa
deixa de ser incondicionada para ser condicionada, pois foi aprendida (Rico,
Golfeto & Hamasaki, 2013).
O behaviorismo radical oferece
uma leitura diferenciada dos sentimentos, sem recorrer a explicações
mentalistas. Para tanto, olha para “as variáveis das quais o comportamento
relacionado com o sentimento é função” (Rico, Golfeto & Hamasaki, p. 94,
2013). A descrição de sentimentos na análise do comportamento sempre levará em
consideração a história de condicionamento de cada indivíduo e os eventos
antecedentes e consequentes ao comportamento relacionado com o sentimento.
Alguns exemplos de
operacionalização de sentimentos na perspectiva behaviorista são dados por Skinner.
Segundo o autor (1991), os termos gregos usados para diferenciar três tipos de
amor, eros, philia, e ágape
referem-se, respectivamente, aos níveis filogenético, ontogenético e cultural
do comportamento de amar.
No primeiro, predomina o
reforçamento sexual e o amor oriundo da seleção natural. A segunda ocorre na
história de vida de cada indivíduo, fazendo-o dizer que ama uma música, um
lugar ou uma comida, por exemplo. Por fim, no terceiro nível, o cultural, o reforçamento se
dá na presença do outro, de maneira invertida. Ou seja, reforçamos o
comportamento do outro, demonstrando prazer pelo que ele faz e,
consequentemente, fortalecemos o grupo (Skinner, 1991).
Skinner (2003) dá atenção
especial para o sentimento de ansiedade, definido como o resultado da contingência
entre um estímulo aversivo precedido de outro estímulo distante no tempo do
aversivo, este que sinaliza a probabilidade da ocorrência de uma consequência
aversiva. Segundo o autor, a ansiedade pode também aparecer quando se
experimenta uma consequência reforçadora. Neste caso, ao invés de evitar, o
sujeito antecipa ações a fim de obter o reforço. A ansiedade seria, portanto,
um processo de aprendizagem a partir de relações diretas entre o sujeito e o
meio.
O outro sentimento a ser
destacado pelo autor é o medo, diferenciando-o em relação à
ansiedade. Ao se referir a experimentos realizados com ratos em que, depois de
estabelecida a contingência de pressionar a barra e obter água, foi introduzido
um estímulo sonoro seguido de um estímulo aversivo (choque) e verificar uma
diminuição no comportamento de pressionar a barra, Skinner (1991) afirma que
O experimento
teria dado um resultado diferente se o choque tivesse sido contingente à
resposta – em outras palavras, se a pressão à barra tivesse sido punida. O rato
teria igualmente parado de pressionar a barra, mas o estado corporal teria sido
diferente. Provavelmente, ele seria chamado de medo. A ansiedade talvez seja
uma espécie de medo (nós diríamos que o rato estava ‘com medo de que ocorresse
outro choque’), mas isso é diferente de estar com medo de pressionar a barra
‘porque outro choque pode acontecer’ (p.5).
Portanto, a reação contingente à
punição imediata é a de medo; reação esta que pode estabelecer a condição para
uma resposta emocional de ansiedade frente à possibilidade de sofrer esta
punição novamente, sendo “a ansiedade, talvez, um tipo de medo” (Skinner, 1991,
p.5).
O controle coercitivo tem como
consequência uma série de efeitos colaterais negativos. Respostas ansiosas,
comportamentos agressivos, isolamento, padrões comportamentais compulsivos. Em
dado momento, no entanto, tal controle pode gerar o chamado contra-controle, em
que a parte oprimida “revida” contra o opressor, perpetuando o ciclo de punição.
Rico, Golfeto e Hamasaki (2013)
apresentam outros exemplos de descrições analítico-comportamentais
simplificadas dos sentimentos como a alegria, a tristeza, a raiva, a
frustração, a vergonha e a culpa. As descrições referem-se a relações
comportamentais nas quais comumente tais sentimentos aparecem.
A alegria estaria relacionada a
um histórico de reforçadores positivos; a tristeza ao término de reforçadores;
a raiva com a apresentação de estímulos aversivos, na maioria das vezes feita
por outro individuo; a frustração, que surge quando algo que era tipicamente
reforçado cessa em sê-lo e; a culpa e vergonha que envolvem situações em que há
a apresentação de estímulos aversivos ou remoção de estímulos reforçadores nas
quais o indivíduo se considera o único responsável.
Todos estes exemplos de
operacionalização de sentimentos reforçam a importância que a comunidade verbal
tem na nomeação de sentimentos. Tal comunidade irá atribuir nomes levando em
conta a história de aprendizagem acerca de tais eventos, ou seja, como os
membros interpretam e inferem o “mundo debaixo da pele”.
O estudo dos eventos encobertos
certamente é repleto de desafios, no entanto, o terreno é fértil para a Análise
do Comportamento sobre esse tema, inclusive sobre os sentimentos. Pontos como
evitar recorrer a explicações mentalistas, levar em consideração o fato de que
a história de condicionamento de cada indivíduo é única e a importância dos
eventos antecedentes e consequentes aos comportamentos que são relacionados aos
sentimentos, propiciam aos analistas do comportamento um olhar singular e
diferenciado a este fenômeno, valorizando a subjetividade de cada indivíduo e
contribuindo para o coletivo.
Referências
Gongora, M. A. N.
& Abib, J. A. D. (2001). Questões referentes à causalidade e eventos
privados no Behaviorismo Radical. Em Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v.3, n.1, pp. 9-24.
Pinto, A. R.
(2001). Medo: algumas considerações numa ótica behaviorista radical. Em: Lato & Sensu, v.2, n.3, pp. 14-15.
Rico, V. V.;
Golfeto, R. & Hamasaki, E. I. M. (2013). Sentimentos. Em M. M. C. Hübner e
M. B. Moreira (coord.) Fundamentos da
Psicologia: Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do
Comportamento. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan
Skinner, B. F.
(1989). Eventos privados em uma ciência natural. Em J. C. Todorov e R. Azzi (7ª
Ed.) Ciência e Comportamento humano.
São Paulo, SP: Martins Fontes Editora.
______. (1991). Questões recentes na análise comportamental.
Campinas, SP: Papirus.
______. (2003). Ciência e Comportamento Humano. São
Paulo, SP: Martins Fontes Editora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário