domingo, 20 de outubro de 2013

A resiliência em Precious

Resiliência é um termo cunhado na Física e relaciona-se à propriedade dos materiais de não sofrerem ruptura ao serem submetidos à tensão, podendo ou não ficar deformados após o cessar desta tensão. Resiliência é também a palavra que pode definir a história de Claireece Precious Jones, ou apenas Precious.
Em seus 16 anos, Precious possui imaginação muito fértil e criativa, sofre de obesidade mórbida, tem grandes dificuldades na escola por ser analfabeta funcional, acabando por ser expulsa da mesma ao ser constatado que está grávida pela segunda vez. O pai deste bebê expõe o cenário coercitivo ao qual a jovem é exposta diariamente desde sua infância. O pai da personagem principal abusa sexualmente, fisicamente e psicologicamente da filha desde os três anos de idade sendo então o responsável pelas gravidezes da mesma.
A mãe, Mary, vive dos benefícios que o Estado paga à Precious por sua primeira filha, portadora de Síndrome de Down. Frente aos abusos cometidos por seu marido, Mary esquiva da realidade e alimenta um ciúme intenso pela filha, vendo-a como rival, contribuindo para o sofrimento da adolescente negligenciando-a e abusando-a psicologicamente.
Em tal cenário, com estilos parentais extremamente negativos, sem a sustentação educacional necessária e tendo sido exposta a pouquíssimos modelos, com exceção de sua avó materna, de habilidades sociais, restam à Precious suas duas válvulas de escape: a comida e sua imaginação. A primeira lhe traz sérios prejuízos externalizados em sua obesidade mórbida. A segunda, entretanto, pode ter sido um dos principais fatores de resiliência frente a tantas adversidades.
Há, no entanto, outro importante fator que contribuiu para que a jovem Precious não sofresse ruptura com toda a tensão a que estava submetida. Ao ser expulsa da escola por estar grávida, a mesma foi direcionada a uma escola de ensino diferenciado para garotas com problemas sociais. Nesta escola ela conhece Ms. Blu Rain, professora que, através de sua interação atenciosa e solícita com seus alunos, em especial com a adolescente, mostra-lhe novas maneiras de enfrentar suas adversidades agora agravadas pelo fato de que ao sair da escola regular pararia de receber os benefícios do Estado, fazendo com que sua mãe a trate de maneira ainda mais violenta.
Precious, no entanto, demonstra mais uma vez sua grande resiliência e não abandona a escola especial o que lhe propicia o aprendizado de novas habilidades sociais, além de aprender a ler e a escrever. Em visita ao Serviço Social revela a verdade sobre os abusos que sofre em casa, o que acarreta na interrupção dos benefícios. Pouco tempo depois, nasce o segundo filho, Abdul, e após o período de internação no hospital, a adolescente volta para casa onde sua mãe a hostiliza e derruba o recém-nascido bebê o que faz com que a jovem fuja da casa e procure a ajuda da professora, Ms. Rain que a acolhe em sua casa até achar um local para a mesma ficar.
A protagonista, agora em uma casa de passagem, recebe uma visita de sua mãe que lhe conta que seu marido faleceu de AIDS, o que assusta Precious fazendo com que busque fazer o teste e descubra que é portadora do vírus, mas seu filho não. Na etapa final do filme, a jovem está no Serviço Social com sua mãe que diz à assistente social que deseja ser uma família com Precious e suas netas.
Em uma última demonstração da incrível resiliência fortalecida pelas novas relações sociais, novas experiências que viveu e pela confiança melhorada após criação de vínculos saudáveis e desenvolvimento de suas habilidades escolares, a protagonista pega seu bebê e sua primeira filha e vai embora dizendo à mãe que nunca mais a verá.
Impressionante como é a demonstração de resiliência apresentada pela personagem neste filme, raras são as situações em que há um final feliz para crianças criadas em ambientes tão aversivos quanto o apresentado no filme. O filme choca por mostrar, sem muito pudor, a brutalidade de pais abusadores e negligentes e as consequências que tais estilos parentais podem ter nos filhos como o comer compulsivo, autodepreciação, fugas da realidade, agressividade, entre outros comportamentos.
O filme nos faz refletir sobre o papel da família, do Estado e das relações sociais para que o desenvolvimento de um indivíduo possa se dar levando em consideração o bio, o psico e o social. Além disso, nos convida a uma reflexão a respeito de como um problema social reflete práticas culturais coercitivas as quais todos compartilham parcela de responsabilidade a respeito.

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