quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O Behaviorismo fala sobre sentimentos?

Um dos maiores equívocos a respeito da teoria de B. F. Skinner, o behaviorismo radical, é afirmar que os sentimentos não têm lugar em tal teoria. Na realidade, é justamente na atenção voltada para os sentimentos e outros eventos encobertos que o behaviorismo de Skinner se diferenciou de seu antecessor, John Watson, para quem só era objeto de estudo aquilo que podia ser observado e com o qual um grupo de pessoas concordava. Para Skinner (1991), “a maneira como as pessoas se sentem é, frequentemente, tão importante quanto o que elas fazem” (p.1).
Na perspectiva behaviorista, sentimentos não podem ser apontados como causa de um comportamento, sendo então, um produto de contingências (Moore, 2000). As causas, no behaviorismo radical expressam as relações funcionais entre eventos, distanciando-se da ideia de causa e efeito, a qual Skinner refutava (Gongora e Abib, 2001).
Skinner (1991) complementa ao colocar que os sentimentos são, antes de qualquer coisa, condições corporais e, embora sejam fáceis de serem confundidos com uma causa – uma vez que se apresentam enquanto estamos nos comportando – os eventos é que de fato são responsáveis pelo que fazemos e pelo que sentimos.
O que um sujeito observa através da introspecção é o estado de seu corpo, condições corporais ou o próprio corpo se comportando (Gongora e Abib, 2001). A leitura que se faz do sentimento a partir de variáveis externas, entretanto, é de grande relevância para uma análise funcional do comportamento emitido por um sujeito.
Em dado momento, esta leitura encontra respaldo em leituras similares feitas por outros e dá-se um nome a este sentimento, que será compartilhado e reproduzido pelos pares, destacando a grande importância que a comunidade verbal tem na nomeação e conhecimento dos sentimentos por cada indivíduo daquela comunidade, assim como na tendência de atribuir causa do comportamento aos sentimentos.
O problema, portanto, reside em representar e reduzir todo o evento ao nome dado ao que se sentiu na experiência e atribuir a isto a causa da experiência, tal como se nossos sentimentos controlassem nossos comportamentos; “corremos por causa do medo”, “deprimimos pelo pesar”, “choramos porque estamos tristes”, etc. (Skinner, 1989, p. 160).
Os sentimentos devem, deste modo, ser estudados, buscando nos comportamentos que ocorrem juntamente a eles, os antecedentes na história de vida do sujeito e as consequências para esclarecer melhor as contingências em que os sentimentos se apresentam sem ter que recorrer a um “agente criador ou propulsor e que evoca comportamentos” (Gongora e Abib, 2001).
Rico, Golfeto e Hamasaki (2013) afirmam que “para o behaviorismo radical, os sentimentos são respostas eliciadas correlatas de nossos comportamentos” (p.91). Para estes autores, o que chamamos de sentimentos (raiva, paixão, tristeza, etc) é o conjunto de eventos públicos (passíveis de observação por outros) e privados ou encobertos (acessíveis apenas ao sujeito que se comporta).
Dizer que uma resposta é eliciada é afirmar que um determinado estímulo ambiental pode ter como consequência certa resposta reflexa incondicionada. A taquicardia em uma situação real de ameaça, por exemplo. No entanto, outros eventos podem ser pareados com esses estímulos fazendo com que a resposta reflexa surja também, com intensidades variadas, em tais eventos. Nestes casos, a resposta reflexa deixa de ser incondicionada para ser condicionada, pois foi aprendida (Rico, Golfeto & Hamasaki, 2013).
O behaviorismo radical oferece uma leitura diferenciada dos sentimentos, sem recorrer a explicações mentalistas. Para tanto, olha para “as variáveis das quais o comportamento relacionado com o sentimento é função” (Rico, Golfeto & Hamasaki, p. 94, 2013). A descrição de sentimentos na análise do comportamento sempre levará em consideração a história de condicionamento de cada indivíduo e os eventos antecedentes e consequentes ao comportamento relacionado com o sentimento.
Alguns exemplos de operacionalização de sentimentos na perspectiva behaviorista são dados por Skinner. Segundo o autor (1991), os termos gregos usados para diferenciar três tipos de amor, eros, philia, e ágape referem-se, respectivamente, aos níveis filogenético, ontogenético e cultural do comportamento de amar.
No primeiro, predomina o reforçamento sexual e o amor oriundo da seleção natural. A segunda ocorre na história de vida de cada indivíduo, fazendo-o dizer que ama uma música, um lugar ou uma comida, por exemplo. Por fim, no terceiro nível, o cultural, o reforçamento se dá na presença do outro, de maneira invertida. Ou seja, reforçamos o comportamento do outro, demonstrando prazer pelo que ele faz e, consequentemente, fortalecemos o grupo (Skinner, 1991).
Skinner (2003) dá atenção especial para o sentimento de ansiedade, definido como o resultado da contingência entre um estímulo aversivo precedido de outro estímulo distante no tempo do aversivo, este que sinaliza a probabilidade da ocorrência de uma consequência aversiva. Segundo o autor, a ansiedade pode também aparecer quando se experimenta uma consequência reforçadora. Neste caso, ao invés de evitar, o sujeito antecipa ações a fim de obter o reforço. A ansiedade seria, portanto, um processo de aprendizagem a partir de relações diretas entre o sujeito e o meio.
O outro sentimento a ser destacado pelo autor é o medo, diferenciando-o em relação à ansiedade. Ao se referir a experimentos realizados com ratos em que, depois de estabelecida a contingência de pressionar a barra e obter água, foi introduzido um estímulo sonoro seguido de um estímulo aversivo (choque) e verificar uma diminuição no comportamento de pressionar a barra, Skinner (1991) afirma que 
O experimento teria dado um resultado diferente se o choque tivesse sido contingente à resposta – em outras palavras, se a pressão à barra tivesse sido punida. O rato teria igualmente parado de pressionar a barra, mas o estado corporal teria sido diferente. Provavelmente, ele seria chamado de medo. A ansiedade talvez seja uma espécie de medo (nós diríamos que o rato estava ‘com medo de que ocorresse outro choque’), mas isso é diferente de estar com medo de pressionar a barra ‘porque outro choque pode acontecer’ (p.5).
Portanto, a reação contingente à punição imediata é a de medo; reação esta que pode estabelecer a condição para uma resposta emocional de ansiedade frente à possibilidade de sofrer esta punição novamente, sendo “a ansiedade, talvez, um tipo de medo” (Skinner, 1991, p.5).
O controle coercitivo tem como consequência uma série de efeitos colaterais negativos. Respostas ansiosas, comportamentos agressivos, isolamento, padrões comportamentais compulsivos. Em dado momento, no entanto, tal controle pode gerar o chamado contra-controle, em que a parte oprimida “revida” contra o opressor, perpetuando o ciclo de punição. 
Rico, Golfeto e Hamasaki (2013) apresentam outros exemplos de descrições analítico-comportamentais simplificadas dos sentimentos como a alegria, a tristeza, a raiva, a frustração, a vergonha e a culpa. As descrições referem-se a relações comportamentais nas quais comumente tais sentimentos aparecem.
A alegria estaria relacionada a um histórico de reforçadores positivos; a tristeza ao término de reforçadores; a raiva com a apresentação de estímulos aversivos, na maioria das vezes feita por outro individuo; a frustração, que surge quando algo que era tipicamente reforçado cessa em sê-lo e; a culpa e vergonha que envolvem situações em que há a apresentação de estímulos aversivos ou remoção de estímulos reforçadores nas quais o indivíduo se considera o único responsável.
Todos estes exemplos de operacionalização de sentimentos reforçam a importância que a comunidade verbal tem na nomeação de sentimentos. Tal comunidade irá atribuir nomes levando em conta a história de aprendizagem acerca de tais eventos, ou seja, como os membros interpretam e inferem o “mundo debaixo da pele”.
O estudo dos eventos encobertos certamente é repleto de desafios, no entanto, o terreno é fértil para a Análise do Comportamento sobre esse tema, inclusive sobre os sentimentos. Pontos como evitar recorrer a explicações mentalistas, levar em consideração o fato de que a história de condicionamento de cada indivíduo é única e a importância dos eventos antecedentes e consequentes aos comportamentos que são relacionados aos sentimentos, propiciam aos analistas do comportamento um olhar singular e diferenciado a este fenômeno, valorizando a subjetividade de cada indivíduo e contribuindo para o coletivo.


Referências
                                 
Gongora, M. A. N. & Abib, J. A. D. (2001). Questões referentes à causalidade e eventos privados no Behaviorismo Radical. Em Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v.3, n.1, pp. 9-24.
Pinto, A. R. (2001). Medo: algumas considerações numa ótica behaviorista radical. Em: Lato & Sensu, v.2, n.3, pp. 14-15.
Rico, V. V.; Golfeto, R. & Hamasaki, E. I. M. (2013). Sentimentos. Em M. M. C. Hübner e M. B. Moreira (coord.) Fundamentos da Psicologia: Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan
Skinner, B. F. (1989). Eventos privados em uma ciência natural. Em J. C. Todorov e R. Azzi (7ª Ed.) Ciência e Comportamento humano. São Paulo, SP: Martins Fontes Editora.
______. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus.
______. (2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo, SP: Martins Fontes Editora.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Violência de gênero nos serviços de saúde

Há quem diga que a violência caiu drasticamente se comparada com períodos anteriores da história da humanidade. Há quem afirme que violência é algo restrito a animais selvagens. Há quem defenda também que o ser humano está mais pacífico e mais civilizado. Essas ideias ingênuas, no entanto, são, no mínimo, discutíveis.
Guerras intermináveis, crimes terroristas, chacinas, banalização de assaltos, estupros, assassinatos são alguns exemplos de como a violência física está muito viva em nosso dia a dia sendo, não só veiculada, como perpetuada pela mídia que em muito se alimenta desta nossa cultura do medo e do terror para atingir seu público.
Não bastassem as formas físicas de violência temos também as psicológicas que aumentam vertiginosamente. Bullying (e cybergullying), abuso psicológico, preconceito, segregação socioeconômica, invisibilidade social e a indiferença se fazem cada vez mais presentes em nossas vidas com origens históricas longínquas, cujas raízes estão longe de se deteriorarem.
O que certamente aumentou ao longo do tempo foram maneiras e estratégias de tentar coibir a violência. O problema reside no fato de que a massiva maioria envolve punições ou mecanismos de controle e repressão, que são, por si só, formas de violência contra o ser humano.
Skinner (1979) já havia chamado atenção para o fato de que a punição não reduz permanentemente o comportamento que está sendo punido. Ela é “eficaz”, apenas no momento em que se faz presente. Tão logo cesse, o comportamento indesejável tende a retornar.
Em casos onde a punição persiste, como é o caso do sistema carcerário que, embora provado ineficaz, perdura por milênios, a tendência é que tais formas de controle gerem o que foi chamado por Sidman (1995) de contra-controle, que, a grosso modo, é a tendência dos sujeitos controlados a “revidarem”. Isto pode ocorrer das mais variadas formas, desde o revidar propriamente dito (rebeliões, punir o punidor, tornar-se hostil, tornar-se um agressor, etc), até começar a comportar-se de maneira indiferente à violência, banalizando a mesma.
A redução da violência, portanto, é altamente discutível. O que parece ter acontecido é que a violência foi se moldando às formas de controle e punição existentes adquirindo facetas mais sutis e se beneficiando da banalização e vista grossa cada vez mais frequentes em nossa sociedade. É de uma destas formas de violência, a contra mulheres nos serviços básicos de saúde, que o artigo de Guedes, Fonseca e Egry (2013) trata.
As autoras constataram que as mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, que representam cerca de 35% das queixas que levam mulheres a buscar serviços de saúde, não recebem o atendimento necessário e com a qualidade devida. Dentre os motivos para esta invisibilidade de violência apontados no artigo estão o sentimento de impotência para lidar com o assunto, a desinformação e a falta de capacitação profissional específica.
Em estudo realizado pelas autoras com 13 mulheres usuárias do serviço de saúde em uma Unidade Básica de Saúde (USB) que opera sob a Estratégia Saúde da Família (ESF) foram avaliados os espaços relacionados à saúde da mulher que apresentavam violência de gênero.
Destes, a consulta médica e de enfermagem, a consulta pré-natal, as visitas domiciliares e outros espaços não especificamente voltados à saúde da mulher, como atendimento à criança, curativos, vacinas e triagem foram citados como ambientes onde houve reconhecimento de violência de gênero.
Outro foco de violência pela invisibilidade de gênero se faz presente de duas formas: no se negar a registrar e notificar a ocorrência da violência e também no foco, muitas vezes, organicista do atendimento à usuária. Observam-se apenas fatores físicos, deixando a saúde mental da paciente de lado, desvalorizando o sofrimento da mesma e violentando a subjetividade de quem já está em grande sofrimento.
As autoras então sugeriram que haja um fortalecimento dos canais de comunicação, dando mais atenção ao tema através de escuta qualificada e identificação das demandas que chegam ao serviço. Medidas estas que vão de encontro com aquilo que a ESF visa promover, sem limitar o atendimento a este ou aquele setor, fazendo-o, portanto, de maneira intersetorial.
A redução da visão hegemônica, centrada no modelo queixa-conduta apoiado em uma racionalidade linear e mecanicista, cujo embasamento teórico é biológico e voltado para a medicalização é um dos objetivos a serem almejados pela ESF, não reduzindo a importância do saber médico, mas sim reconhecendo todas as necessidades do usuário, relacionando-o com o emocional, cultural e social de maneira coletiva.
A invisibilidade da violência de gênero por parte dos serviços de saúde se deve também ao fato de que as profissionais mulheres levam para seu campo de trabalho as concepções de gênero às quais foram expostas durante suas vidas. Estas concepções tendem a ser androcêntricas, cuja opressão e subalternização do gênero feminino são vistas como algo comum e natural.
Esta postura reitera o que foi afirmado a respeito da banalização e indiferença como contra-controle. Há séculos que a mulher é sujeito de violências constantes, sendo controlada pelos mais variados dispositivos. Das maneiras de lidar com este controle estabeleceram-se a naturalização e vitimização, por parte das profissionais de saúde, das mulheres vítimas de violência doméstica e sexual que buscam os serviços de saúde.
O artigo reiterou também a importância de espaços terapêuticos voltados à escuta destas mulheres. Tanto na consulta médica, como em grupos terapêuticos voltados ao tema, isto possibilita a ressignificação desta violência e a capacidade de lidar com isso com o coletivo, tornando-se parte do processo de mudança.
A proposta de fortalecer a escuta qualificada e romper com paradigmas hegemônicos, androcêntricos e organicistas do modelo médico encontra forte respaldo no que Sidman (1995) propõe como alternativa às punições. Não é necessário punir para evitar a violência, fortalecer ações desejáveis que substituam as indesejáveis apresenta-se como o princípio norteador fundamental de uma sociedade que possa afirmar, de fato, que a violência reduziu daqui algum tempo.

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