2015:
O abominável ano interminável. Ou pelo menos essa parece ser a impressão
deixada em muitos - eu incluso - por um ano marcado por retrocessos, exposição
intensa de discursos de ódio (que, para já tirar a "polêmica" do
caminho, é muito diferente de emitir opinião) e dados alarmantes referentes à
toda sorte de violência contra mulheres, negrxs, lgbts, imigrantes e outras
populações historicamente violadas em seus direitos mais básicos.
Há
de se ressaltar, no entanto, que foi também um ano com dois brilhantes exemplos
de luta e resistência - a dos professores aqui no Paraná e em São Paulo, no
primeiro semestre, e a dos estudantes secundaristas em São Paulo, no segundo
semestre. Além disso, a formação da Frente Povo Sem Medo e o fortalecimento do
Espaço Unidade de Ação mostraram que a esquerda brasileira não está dormente
como se afirma por aí. Por fim, a resistência incansável dos representantes do
PSOL no Congresso Nacional, bem como de nossxs militantes, às barbáries de
Eduardo Cunha e sua tropa é injeção fundamental de ânimo para o ano que se
segue, este que traz como única certeza a de que a luta será ainda mais
intensa.
Estando
mais ativo e próximo da militância como estive em 2015 - uma de minhas vitórias
pessoais e que pretendo manter em 2016 - fui levado a questionar inúmeras
concepções, a rever pontos de vista e a aprender muita coisa nova. No entanto,
acredito que a reflexão mais importante que venho fazendo ao longo deste
período recente diz respeito à maneira como me comunico.
A
observância de exposições e argumentações diversificadas aliada ao meu próprio
processo psicoterapêutico me fizeram levantar questão sobre muitos de meus
vícios de comunicação, assim como me deixou mais atento a padrões adotados por
aquelxs com quem tenho algum contato ou pelas mídias as quais tive acesso.
Lembro-me
bem de uma das primeiras lições que tive já no começo deste ano por intermédio
indireto de colegas militantes. Com frequência compartilhava textos ou escrevia
posts no Facebook em que eu fazia alusão a algum fato historicamente incorreto
dizendo aos que acreditavam naquilo que fossem ler um livro de História.
Um
texto de um colega, não relacionado com os meus posts, fazia crítica a este
tipo de discurso e me pôs, imediatamente, a refletir acerca da arrogância e do
academicismo que permeavam essas e tantas outras publicações minhas na rede
social e fora dela, igualmente.
Obviamente,
não quer dizer que isto cessou completamente, mas foi um importante primeiro
passo na direção de me fazer ficar muito mais atento à maneira como expunha
minhas opiniões - não só nas redes sociais, mas pessoalmente, também - embora
não fosse a primeira vez que tivesse sido convidado a refletir sobre esse
padrão arrogante de comunicação.
Uma
tarefa de grande valor que assumi este ano foi a de diretor de comunicação do
Centro Acadêmico de Psicologia da Tuiuti. Lembro de ter achado irônico eu estar
assumindo uma posição como esta, uma vez que uma de minhas principais queixas
na terapia é a minha dificuldade em me comunicar com as pessoas.
Em
uma ocasião em especial, a organização de uma Jornada Acadêmica de Psicologia,
as minhas habilidades de comunicação foram colocadas à prova e o saldo foi, no
mínimo, confuso.
Desta
experiência tirei outro importante aprendizado - o de que, por mais que
tenhamos certeza de que estamos falando algo da maneira mais clara e polida
possível, nem sempre é assim que será recebido pelo outro. Por mais absurdos
que possam parecer no momento, é sempre fundamental que estejamos dispostos a
ouvir feedbacks dissonantes daquilo que acreditamos estar fazendo e a parar
para refletir se, de fato, nossa comunicação está sendo transmitida como
achamos que está.
As
hashtags #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto também contribuíram para longas
reflexões, não por conta do conteúdo de cada uma delas - a indiscutível
violência contra as mulheres - mas por conta de uma diferença fundamental na
exposição feita em cada uma delas.
Vale
destacar que o foco aqui é muito mais em algo meu e de outros que percebi
através deste contraste, do que uma crítica direta ao que essas manifestações
pretenderam.
No
primeiro caso, pude perceber como é difícil, porém catártico conseguir falar de
algo que nos faz muito mal. Não raramente somos apresentados a um modelo
dicotômico de como lidar com nosso desconforto: "não engolir o sapo"
x "engolir o choro". Os dois, obviamente, são bastante prejudiciais e
foram, de maneira muito adequada, contrapostos pelo que aconteceu nos relatos
do #meuprimeiroassedio.
A
descrição clara de uma situação aversiva e das consequências geradas pelo ato
em si própria/o é um desafio constante no setting terapêutico e reflexo de um
problema grave em nossa sociedade - o de como não somos ensinados a falar de
nossos sentimentos e daquilo que nos faz mal, ou até mesmo daquilo que nos faz
bem. Este é, de longe, um de meus principais desafios na terapia e, acredito,
que de tantos outros clientes, também.
O
modelo fornecido por essas mulheres é de grande importância tanto para que
outras mulheres consigam fazer o mesmo, como para que pensemos no como tratamos
nossos próprios desconfortos - se somos capazes de falar deles para nós mesmos
e nos permitir perceber os efeitos daquilo em nós sem necessariamente buscar um
culpado (nós mesmos ou quem tenha causado aquilo), mas visando nos conhecer
melhor e nos "libertar" daquilo que nos corrói.
A
segunda hashtag, no entanto, devo admitir, me causou desconforto. Não por saber
que já fiz ou faço muitas das coisas relatadas, como levantar a voz e
interromper uma colega que está falando, por exemplo. Este desconforto é
evidente e necessário.
É
o modelo oferecido pelos relatos que me causa algum incômodo - e mais por me
perceber fazendo algo parecido em outras situações que em nada se assemelham ao
que foi colocado nos relatos do que por achar inadequada a tag.
Em
um primeiro momento fui seduzido pelo pensamento de que esses relatos deviam
ser direcionados aos que estavam sendo contemplados por eles - por acreditar
que isso poderia promover alguma mudança mais eficaz do que um relato público.
Logicamente,
a tarefa é muito mais complexa do que parece. Quantos homens, ao ouvirem
qualquer feedback deste tipo não reagiram violentamente contra suas
companheiras ou colegas, acarretando até mesmo em morte. Quantas mulheres não
foram ensinadas a não "retrucarem" justamente para evitar este tipo
de represália.
Desta
forma, é evidente que os relatos contidos no #meuamigosecreto tem função
importante para instrumentalizar e oferecer espaço a muitas mulheres que não
tinham antes dessa oportunidade. Além disso, para os homens que se dispuseram a
ler tais relatos, ficou muito difícil não parar pra pensar na frequência com a
qual fazemos muitas das coisas que ali foram descritas.
O
que me gera desconforto neste modelo de relato, ao vê-lo reproduzido em outras
situações cotidianas, é a aposta no constrangimento para provocar reflexão ou
mudanças, o que me remete ao exemplo inicial que dei. Além disso, há o
desconforto de perceber como eu também já reagi de maneira verbalmente abusiva
a colocações que me desagradaram, ao me sentir constrangido.
É
fundamental ressaltar que o sentimento de constrangimento não justifica a
reação abusiva. Quem me conhece sabe bem de uma máxima do Behaviorismo Radical
que repito com frequência: "sentimento não causa comportamento". O
que ocorre, grosso modo, é que o sentimento de constrangimento - por ser
desagradável - torna mais provável que nos comportemos de modo a afastar o
sentimento ou a atacar aquilo que acreditamos gerar o desconforto.
Desta
forma, se reagimos abusivamente, não é por estarmos nos sentindo constrangido,
mas sim porque queremos atacar quem nos constrange. Esta noção é importante,
pois contradiz o discurso do "fiz porque fulano/a me irritou", mudando
o foco para "fiz porque queria causar no outro o que ele causou em
mim" - no caso específico de reagirmos abusivamente (nem todos vão reagir
assim a uma situação como essa).
Há
de se levar em consideração, entretanto, que determinados padrões de fala tem
também uma probabilidade aumentada de gerar este tipo de reação. Isto não
implica em algo deixar de ser dito, mas apenas em se repensar como se diz algo.
Ignorar que algo que dizemos pode desagradar o outro em prol do como
consideramos importante dizer o que queremos dizer é uma prática perigosa e
pode se revelar tão aversiva como aquilo que pretendemos denunciar.
Tal
fato é particularmente importante nas minhas vivências. O desafio em dizer algo
que julgamos necessário de uma maneira que seja empática e assertiva é
colossal, comparável apenas ao desafio de reagir a algo que nos foi dito e nos
desagradou de maneira igualmente empática e assertiva.
O
que eu tento evidenciar nesses exemplos é a tarefa hercúlea que é se comunicar.
Certamente, o principal inimigo nesta empreitada são nossas certezas, nossas
regras. As convicções que temos acerca do que comunicamos e as certezas que
temos acerca do que nossos ouvintes entendem são os principais entraves para
que uma comunicação possa ocorrer de maneira empática e assertiva.
Ser
empático não é se colocar no lugar do outro tentando imaginar como nos
sentiríamos ou como reagiríamos. Ser empático é estar sensível ao que o outro
nos diz ou não diz (e não a o que achamos que ele vai dizer ou não dizer) e
estar sensível também ao como nos sentimos em relação a isso para que, aí sim,
consigamos nos comunicar assertivamente.
A
comunicação assertiva implica em saber estar sensível ao(s) outro(s), a si
mesmo e ao momento e saber falar algo que queremos de maneira clara, objetiva e
não "terceirizada" (focando apenas no outro), assim como também saber
quando não falar.
Existe
uma lógica coercitiva extremamente difícil de se superar em como nos
comunicamos. Esta lógica não é da direita ou da esquerda, minha ou sua. É de
todos nós.
Com
absurda frequência ficamos apenas sensíveis ao como estamos nos sentindo para
nos comunicar e obcecados pelas possíveis consequências que vislumbramos de
falar algo de determinada maneira em determinado momento.
Sempre
que escuto a máxima "o que falta é educação" eu sou levado a pensar,
a partir da minha própria história de vida e de tantos outros, de que a
educação que falta, a que fomos ensinados - geração após geração - a ignorar
(ou talvez nunca tenhamos aprendido, de fato) é a educação em habilidades
sociais, especialmente, no que diz respeito a como nos comunicamos.
Estamos
mais dispostos a continuar reproduzindo padrões punitivos do que a repensar
modelos de comunicação que estamos ensinando e reforçando.
Não
se pode esperar padrões diferentes de comunicação - padrões não-coercitivos -
se os modelos que reproduzimos no nosso dia a dia são coercitivos.
Mais
importante ainda é entender que a coerção não está na nossa intenção em coagir
e sim, no efeito coercitivo que o outro diz ter sentido. Não raramente
afirmamos que não tivemos a intenção ou que a pessoa está "na
defensiva" ou tantas outras tentativas de anular o relato do outro, não
por sermos perversos, mas por também não termos sido ensinados a fazer
diferente.
O
desafio que se apresenta ao nos darmos conta disto é não esperar que as pessoas
"caiam na real" ou cair nas armadilhas do "mas como assim ele/a
não percebe isso?", "como ele/a não se tocou que eu queria aquilo ou
que eu quis dizer tal coisa?". Não podemos esperar de ninguém aquilo que
não lhes pedimos. Também não podemos confundir despertar de consciência com
constrangimento. Descrever a ação de alguém e as consequências de tal ação é
possível de maneira empática e assertiva.
Para
que possamos fazer isso sem temer reações abusivas é essencial que o objetivo
daquilo que reproduzimos seja cada vez maior o ensino de modelos de comunicação
que tenham como foco a validação e acolhimento de ambas as partes.
O
comportamento verbal (falado ou escrito), assim como qualquer outro
comportamento, produz consequências as quais não podemos controlar totalmente,
o que não nos torna menos responsáveis por elas, uma vez que também somos
afetados por essas consequências. Se desejamos uma sociedade mais igualitária e
relações de qualidade, temos que começar pela comunicação.
A
minha meta pessoal e os meus votos para 2016 são de uma sociedade que saiba se
comunicar melhor - empática e assertivamente.
Um
próspero 2016 a todxs!