terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Retrospectiva 2015 e votos para 2016

2015: O abominável ano interminável. Ou pelo menos essa parece ser a impressão deixada em muitos - eu incluso - por um ano marcado por retrocessos, exposição intensa de discursos de ódio (que, para já tirar a "polêmica" do caminho, é muito diferente de emitir opinião) e dados alarmantes referentes à toda sorte de violência contra mulheres, negrxs, lgbts, imigrantes e outras populações historicamente violadas em seus direitos mais básicos.
Há de se ressaltar, no entanto, que foi também um ano com dois brilhantes exemplos de luta e resistência - a dos professores aqui no Paraná e em São Paulo, no primeiro semestre, e a dos estudantes secundaristas em São Paulo, no segundo semestre. Além disso, a formação da Frente Povo Sem Medo e o fortalecimento do Espaço Unidade de Ação mostraram que a esquerda brasileira não está dormente como se afirma por aí. Por fim, a resistência incansável dos representantes do PSOL no Congresso Nacional, bem como de nossxs militantes, às barbáries de Eduardo Cunha e sua tropa é injeção fundamental de ânimo para o ano que se segue, este que traz como única certeza a de que a luta será ainda mais intensa.
Estando mais ativo e próximo da militância como estive em 2015 - uma de minhas vitórias pessoais e que pretendo manter em 2016 - fui levado a questionar inúmeras concepções, a rever pontos de vista e a aprender muita coisa nova. No entanto, acredito que a reflexão mais importante que venho fazendo ao longo deste período recente diz respeito à maneira como me comunico. 
A observância de exposições e argumentações diversificadas aliada ao meu próprio processo psicoterapêutico me fizeram levantar questão sobre muitos de meus vícios de comunicação, assim como me deixou mais atento a padrões adotados por aquelxs com quem tenho algum contato ou pelas mídias as quais tive acesso.
Lembro-me bem de uma das primeiras lições que tive já no começo deste ano por intermédio indireto de colegas militantes. Com frequência compartilhava textos ou escrevia posts no Facebook em que eu fazia alusão a algum fato historicamente incorreto dizendo aos que acreditavam naquilo que fossem ler um livro de História.
Um texto de um colega, não relacionado com os meus posts, fazia crítica a este tipo de discurso e me pôs, imediatamente, a refletir acerca da arrogância e do academicismo que permeavam essas e tantas outras publicações minhas na rede social e fora dela, igualmente. 
Obviamente, não quer dizer que isto cessou completamente, mas foi um importante primeiro passo na direção de me fazer ficar muito mais atento à maneira como expunha minhas opiniões - não só nas redes sociais, mas pessoalmente, também - embora não fosse a primeira vez que tivesse sido convidado a refletir sobre esse padrão arrogante de comunicação.
Uma tarefa de grande valor que assumi este ano foi a de diretor de comunicação do Centro Acadêmico de Psicologia da Tuiuti. Lembro de ter achado irônico eu estar assumindo uma posição como esta, uma vez que uma de minhas principais queixas na terapia é a minha dificuldade em me comunicar com as pessoas. 
Em uma ocasião em especial, a organização de uma Jornada Acadêmica de Psicologia, as minhas habilidades de comunicação foram colocadas à prova e o saldo foi, no mínimo, confuso. 
Desta experiência tirei outro importante aprendizado - o de que, por mais que tenhamos certeza de que estamos falando algo da maneira mais clara e polida possível, nem sempre é assim que será recebido pelo outro. Por mais absurdos que possam parecer no momento, é sempre fundamental que estejamos dispostos a ouvir feedbacks dissonantes daquilo que acreditamos estar fazendo e a parar para refletir se, de fato, nossa comunicação está sendo transmitida como achamos que está.
As hashtags #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto também contribuíram para longas reflexões, não por conta do conteúdo de cada uma delas - a indiscutível violência contra as mulheres - mas por conta de uma diferença fundamental na exposição feita em cada uma delas. 
Vale destacar que o foco aqui é muito mais em algo meu e de outros que percebi através deste contraste, do que uma crítica direta ao que essas manifestações pretenderam. 
No primeiro caso, pude perceber como é difícil, porém catártico conseguir falar de algo que nos faz muito mal. Não raramente somos apresentados a um modelo dicotômico de como lidar com nosso desconforto: "não engolir o sapo" x "engolir o choro". Os dois, obviamente, são bastante prejudiciais e foram, de maneira muito adequada, contrapostos pelo que aconteceu nos relatos do #meuprimeiroassedio. 
A descrição clara de uma situação aversiva e das consequências geradas pelo ato em si própria/o é um desafio constante no setting terapêutico e reflexo de um problema grave em nossa sociedade - o de como não somos ensinados a falar de nossos sentimentos e daquilo que nos faz mal, ou até mesmo daquilo que nos faz bem. Este é, de longe, um de meus principais desafios na terapia e, acredito, que de tantos outros clientes, também.
O modelo fornecido por essas mulheres é de grande importância tanto para que outras mulheres consigam fazer o mesmo, como para que pensemos no como tratamos nossos próprios desconfortos - se somos capazes de falar deles para nós mesmos e nos permitir perceber os efeitos daquilo em nós sem necessariamente buscar um culpado (nós mesmos ou quem tenha causado aquilo), mas visando nos conhecer melhor e nos "libertar" daquilo que nos corrói.
A segunda hashtag, no entanto, devo admitir, me causou desconforto. Não por saber que já fiz ou faço muitas das coisas relatadas, como levantar a voz e interromper uma colega que está falando, por exemplo. Este desconforto é evidente e necessário. 
É o modelo oferecido pelos relatos que me causa algum incômodo - e mais por me perceber fazendo algo parecido em outras situações que em nada se assemelham ao que foi colocado nos relatos do que por achar inadequada a tag. 
Em um primeiro momento fui seduzido pelo pensamento de que esses relatos deviam ser direcionados aos que estavam sendo contemplados por eles - por acreditar que isso poderia promover alguma mudança mais eficaz do que um relato público.
Logicamente, a tarefa é muito mais complexa do que parece. Quantos homens, ao ouvirem qualquer feedback deste tipo não reagiram violentamente contra suas companheiras ou colegas, acarretando até mesmo em morte. Quantas mulheres não foram ensinadas a não "retrucarem" justamente para evitar este tipo de represália.
Desta forma, é evidente que os relatos contidos no #meuamigosecreto tem função importante para instrumentalizar e oferecer espaço a muitas mulheres que não tinham antes dessa oportunidade. Além disso, para os homens que se dispuseram a ler tais relatos, ficou muito difícil não parar pra pensar na frequência com a qual fazemos muitas das coisas que ali foram descritas.
O que me gera desconforto neste modelo de relato, ao vê-lo reproduzido em outras situações cotidianas, é a aposta no constrangimento para provocar reflexão ou mudanças, o que me remete ao exemplo inicial que dei. Além disso, há o desconforto de perceber como eu também já reagi de maneira verbalmente abusiva a colocações que me desagradaram, ao me sentir constrangido.
É fundamental ressaltar que o sentimento de constrangimento não justifica a reação abusiva. Quem me conhece sabe bem de uma máxima do Behaviorismo Radical que repito com frequência: "sentimento não causa comportamento". O que ocorre, grosso modo, é que o sentimento de constrangimento - por ser desagradável - torna mais provável que nos comportemos de modo a afastar o sentimento ou a atacar aquilo que acreditamos gerar o desconforto. 
Desta forma, se reagimos abusivamente, não é por estarmos nos sentindo constrangido, mas sim porque queremos atacar quem nos constrange. Esta noção é importante, pois contradiz o discurso do "fiz porque fulano/a me irritou", mudando o foco para "fiz porque queria causar no outro o que ele causou em mim" - no caso específico de reagirmos abusivamente (nem todos vão reagir assim a uma situação como essa).
Há de se levar em consideração, entretanto, que determinados padrões de fala tem também uma probabilidade aumentada de gerar este tipo de reação. Isto não implica em algo deixar de ser dito, mas apenas em se repensar como se diz algo. Ignorar que algo que dizemos pode desagradar o outro em prol do como consideramos importante dizer o que queremos dizer é uma prática perigosa e pode se revelar tão aversiva como aquilo que pretendemos denunciar.
Tal fato é particularmente importante nas minhas vivências. O desafio em dizer algo que julgamos necessário de uma maneira que seja empática e assertiva é colossal, comparável apenas ao desafio de reagir a algo que nos foi dito e nos desagradou de maneira igualmente empática e assertiva.
O que eu tento evidenciar nesses exemplos é a tarefa hercúlea que é se comunicar. Certamente, o principal inimigo nesta empreitada são nossas certezas, nossas regras. As convicções que temos acerca do que comunicamos e as certezas que temos acerca do que nossos ouvintes entendem são os principais entraves para que uma comunicação possa ocorrer de maneira empática e assertiva.
Ser empático não é se colocar no lugar do outro tentando imaginar como nos sentiríamos ou como reagiríamos. Ser empático é estar sensível ao que o outro nos diz ou não diz (e não a o que achamos que ele vai dizer ou não dizer) e estar sensível também ao como nos sentimos em relação a isso para que, aí sim, consigamos nos comunicar assertivamente. 
A comunicação assertiva implica em saber estar sensível ao(s) outro(s), a si mesmo e ao momento e saber falar algo que queremos de maneira clara, objetiva e não "terceirizada" (focando apenas no outro), assim como também saber quando não falar. 
Existe uma lógica coercitiva extremamente difícil de se superar em como nos comunicamos. Esta lógica não é da direita ou da esquerda, minha ou sua. É de todos nós. 
Com absurda frequência ficamos apenas sensíveis ao como estamos nos sentindo para nos comunicar e obcecados pelas possíveis consequências que vislumbramos de falar algo de determinada maneira em determinado momento.
Sempre que escuto a máxima "o que falta é educação" eu sou levado a pensar, a partir da minha própria história de vida e de tantos outros, de que a educação que falta, a que fomos ensinados - geração após geração - a ignorar (ou talvez nunca tenhamos aprendido, de fato) é a educação em habilidades sociais, especialmente, no que diz respeito a como nos comunicamos. 
Estamos mais dispostos a continuar reproduzindo padrões punitivos do que a repensar modelos de comunicação que estamos ensinando e reforçando. 
Não se pode esperar padrões diferentes de comunicação - padrões não-coercitivos - se os modelos que reproduzimos no nosso dia a dia são coercitivos. 
Mais importante ainda é entender que a coerção não está na nossa intenção em coagir e sim, no efeito coercitivo que o outro diz ter sentido. Não raramente afirmamos que não tivemos a intenção ou que a pessoa está "na defensiva" ou tantas outras tentativas de anular o relato do outro, não por sermos perversos, mas por também não termos sido ensinados a fazer diferente.
O desafio que se apresenta ao nos darmos conta disto é não esperar que as pessoas "caiam na real" ou cair nas armadilhas do "mas como assim ele/a não percebe isso?", "como ele/a não se tocou que eu queria aquilo ou que eu quis dizer tal coisa?". Não podemos esperar de ninguém aquilo que não lhes pedimos. Também não podemos confundir despertar de consciência com constrangimento. Descrever a ação de alguém e as consequências de tal ação é possível de maneira empática e assertiva. 
Para que possamos fazer isso sem temer reações abusivas é essencial que o objetivo daquilo que reproduzimos seja cada vez maior o ensino de modelos de comunicação que tenham como foco a validação e acolhimento de ambas as partes.
O comportamento verbal (falado ou escrito), assim como qualquer outro comportamento, produz consequências as quais não podemos controlar totalmente, o que não nos torna menos responsáveis por elas, uma vez que também somos afetados por essas consequências. Se desejamos uma sociedade mais igualitária e relações de qualidade, temos que começar pela comunicação.
A minha meta pessoal e os meus votos para 2016 são de uma sociedade que saiba se comunicar melhor - empática e assertivamente.
Um próspero 2016 a todxs!

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