Diariamente somos expostos a diversos contextos em que a palavra revolução emerge. Na escola aprendemos sobre a revolução industrial, inglesa, francesa e diversas outras revoluções que marcaram importantes momentos históricos. No trabalho muitas vezes ouvimos que precisamos de algo revolucionário para resolver um problema. A internet revolucionou a maneira como nos comunicamos. A revolução científica nos permitiu termos a qualidade de vida que hoje temos. Enfim, exemplos do uso do termo e seus derivados não faltam.
Falar em revolução na política, no entanto, suscita todos os tipos de reações, desde defesas apaixonadas até repúdios hostis. Curiosamente a rejeição violenta a essa ideia costuma ocorrer por parte dos que acreditam que revolução é sinônimo de violência.
Contudo, entender revolução – no caso específico da derrubada do capitalismo – como sinônimo de violência parece ser um ponto recorrente tanto dos que defendem como dos que se opõem à mudança do sistema vigente. Nos próximos parágrafos irei me ater aos defensores, por estar, eu também, no meio deste grupo.
Obviamente, a discussão sobre o que é revolução de fato é muito mais extensa do que o que se pretende expor nesse texto. Para fins de contextualização, uma definição bastante simplificada poderia ser a de revolução como a sobreposição de um sistema considerado antiquado ou inadequado. As condições para essa sobreposição e como ela se daria, de fato, variam de grupo para grupo.
Há os que defendem uma revolução a partir de reformas estruturais que alterem a essência do sistema, mas sem derrubá-lo. Há, também, os que acreditam que o sistema atual deveria ser totalmente abolido, sem aproveitar nada e que se implantasse algo novo em seguida. Há os que acreditam que a única maneira de se superar o sistema atual é pegando em armas e confrontando os opressores. Há, por fim, o grupo no qual eu me encaixo, que acreditam que o que deve pautar a revolução jamais deve ser a coerção, uma vez que isso negaria a própria ideia de revolução.
Mas o que é coerção, afinal? Murray Sidman, em seu excelente livro “Coerção e suas Implicações”, coloca coerção como sendo o uso de punição ou ameaça de punição, bem como recompensar pessoas por evitarem nossas punições e ameaças. Os exemplos são incontáveis, uma vez que esta é a prática preferida para controle comportamental em qualquer esfera.
Os pais que ameaçam colocar (ou colocam) o filho de castigo caso não se comporte como deseja. Evitar multa por dirigir dentro da velocidade próximo a radares. O namorado ou namorada que afirma que o/a parceiro/a não gosta dele/a por não fazer algo. O professor que condiciona a atenção a dado conteúdo ao fato de que ele irá cair na prova. E a lista segue indefinidamente.
Mesmo quando recompensamos alguém por um dado comportamento não é raro que ele venha acompanhado de uma ameaça de punição. “Se você fizer algo recebe recompensa, caso contrário, será punido”. Se você estudar tira nota boa, caso contrário reprovará. Essas regras parecem tão óbvias e verdadeiras que não raramente acreditamos que as coisas têm que ser assim mesmo.
O exemplo mais evidente da lógica coercitiva encontra-se no sistema penal. Em um país com a terceira maior população carcerária do mundo é inquestionável que, no Brasil, punição é a solução para tudo. Por mais que se aplique com pesos e medidas diferentes para pobres e ricos, o que se clama sempre é a prisão.
E engana-se quem acha que isso é exclusivo de grupos conservadores. Nestes é comum que se peça a penalização para situações como as vistas na redução da maioridade penal, aborto, “cristofobia”, “heterofobia” e outras aberrações. Para mim, pessoalmente, tão absurdo quanto os pedidos feitos por essas pessoas é pedir a mesma prática para crimes que são inquestionáveis - e, sem dúvidas, necessários de sofrerem consequências que visem a impedir sua repetição e reparem o dano - como a violência contra a mulher, lgbtfobia, genocídio da juventude negra, dos povos indígenas e tantas outras barbáries que tomamos conhecimento diariamente.
Soa-me absurdo porque, ao mesmo tempo em que se defende que não faz sentido prender uma criança por um crime que tenha cometido, uma vez que o sistema penitenciário não corrige e é repleto de violações de direitos humanos, defende-se que os que cometem essas violências sejam presos. Entende-se, corretamente, que, ao mesmo tempo que prender o usuário de drogas ou a mulher que aborta não faz sentido (primeiramente por já ser incoerente considerar tais atos como sendo criminosos), pois isso comprovadamente não reduz nem o uso nem os abortos, defende-se a prisão para outros tantos, afim de reduzir crimes, como os de ódio, por exemplo.
Esta lógica, para mim, é emblemática, porque representa muito evidentemente o padrão relacional humano que se sustenta na coerção. Somos expostos o tempo todo a punições e a ameaças de punição. Quando não conseguimos escapar delas, com frequência o que fazemos é reproduzir o padrão. Como nem sempre a reação pode ocorrer com quem nos pune (e nem deveria, mas chegarei nesse ponto depois), punimos os outros.
Sem dúvidas, reagir à punição de maneira não exclusivamente punitiva é um desafio sem precedentes. A armadilha, no entanto, está em acreditar que isso é o melhor que dá pra fazer ou só o que dá pra fazer, no momento. Pedir a prisão de lgbtfóbicos ou agressores de mulheres e esperar redução nesse tipo de crimes é ingenuidade. Por mais que pareça inevitável a necessidade de afastamento de tais pessoas da sociedade está na hora de nos questionarmos se a solução é essa mesmo.
Retirar indivíduos que cometem crimes motivados pelo ódio da sociedade contribuirá para a redução desse ódio ou para que tais crimes continuem ocorrendo? A resposta a essa pergunta não é uma questão de acreditar que sim ou não. As evidências em diversas sociedades e no laboratório mostram claramente que essa estratégia é totalmente ineficaz.
O que, sabidamente, reduz o ódio e crimes hediondos é o planejamento de culturas mais igualitárias e a promoção de condições ambientais mais favoráveis ao desenvolvimento de valores morais justos e pró-direitos humanos. No caso de aplicação de pena por um crime, esta não deveria se dar pela exclusão social, pauta que combatemos tão insistentemente.
A consequência a esses crimes deveria se dar propiciando ao indivíduo, assistido durante o processo, a possibilidade de construção de novos repertórios. Sem deixar de lado a escuta e o acolhimento. O que fazemos ao prender e jogar a chave fora é enrijecer as regras que o indivíduo já possui – tornando ainda mais difícil qualquer chance de mudança.
O mesmo enrijecimento acontece quando optamos por constranger alguém por dizer algo ofensivo, ao invés de desconstruir assertivamente o preconceito ou a ofensa. Ou quando acreditamos que uma revolução pautada pela destruição do sistema atual ou pelo embate armado possa, de fato, ser uma revolução. Nada disso é revolução – é perpetuação da coerção.
De nada adianta mudar o sistema, se a lógica que embasou a substituição é a mesma: o controle aversivo. Só há uma revolução possível, uma que quebre o ciclo da coerção em nossas relações, e ela tem que ser pautada no amor. Quando falo em amor não me refiro àquela noção romantizada ou reducionista de amor. Numa perspectiva behaviorista, como bem colocou Skinner “o que é o amor senão outro nome para o uso do reforçamento positivo?” (reforçamento positivo pode ser entendido como consequências de nossos comportamentos que aumentam a probabilidade dele voltar a ocorrer, porque a consequência é agradável para o indivíduo).
A colocação parece simplista em um primeiro momento, mas carrega em si o que eu acredito ser a verdadeira base para uma revolução de fato. Reforçar positivamente um dado comportamento é apresentar consequências que não evoquem reações aversivas (desagradáveis) e que afetarão o comportamento fazendo com que ele se torne mais provável de acontecer.
A intenção em afirmar que o amor é outro nome para o reforçamento positivo é nos fazer questionar em que situação falamos que sentimos amor ou que amamos alguém? A resposta, sem exceção, será quando aquele indivíduo se sentir positivamente reforçado pela sua relação com o outro ou com o meio.
Estar sob controle de contingências positivamente reforçadoras propicia ao próprio organismo a produção e liberação de substâncias que favorecem a qualidade de vida, bem como favorece, indiscutivelmente, a consolidação de respostas pró-sociais e permite maior variabilidade comportamental.
Uma revolução real, portanto, será aquela que se propuser a planejar contextos e a produzir consequências que sejam positivamente reforçadoras - visando a aumentar a frequência de comportamentos benéficos para a sociedade, ao invés de focar na punição dos indesejados - promovendo, nada mais, nada menos, que uma sociedade pautada pelo amor.