terça-feira, 22 de novembro de 2011

Disposição à vertigem


Ontem à noite, em um momento de descontração na internet, deparei-me com uma imagem na qual um indivíduo perguntava, no site Yahoo Answers, como poderia contratar o Youtube para filmar sua festa de noivado. Ao compartilhar a imagem com meus contatos do Facebook, uma de minhas amigas comentou demonstrando desagrado com o fato de estarem achando engraçada a gafe cometida e que ninguém nasce sabendo tudo.
Após ter passado o dia estudando filósofos como Kant, Rousseau, Sartre e Adorno, foi inevitável não associar alguns dos ideais defendidos por estes pensadores à uma situação que, em primeira instância, não parecia passível de tamanha reflexão. Admirei-me, ao perceber que fizera o que um texto que li pela tarde pedia a seus leitores: olhei para a realidade de maneira diferente, espantei-me com o que parecia óbvio.
Comecemos falando de Adorno e Horkheimer e a Escola de Frankfurt, que muito debateram sobre o acesso da massa à cultura e o impacto da industrialização da mesma em nosso dia-a-dia. Ora, por mais que não se concorde com uma elitização da cultura e da informação; um acesso desordenado e descontrolado tende apenas a promoção e fomento de cenários como o ocorrido no site de perguntas. A internet, assim como qualquer outro meio de comunicação, nos bombardeia intensamente com propagandas imediatistas como "Compre! Faça! Busque Aqui! Imperdível!", nos dizendo o que fazer e como fazer. Buscam-se cada vez mais respostas prontas que pouca reflexão a respeito demandam.
A partir disto, fui levado imediatamente ao estado de menoridade apontado por Kant. Estado este, que é definido pelo comodismo e o hábito vicioso que, frequentemente, fazem com que as pessoas prefiram ir imediatamente a uma fonte de respostas prontas e imediatas ao invés de se esforçarem para conhecer e entender melhor o funcionamento daquilo que lhes é desconhecido. Não existe aprendizado sem questionamento, isto é indiscutível. No entanto, o questionamento, pela preguiça de aprender, somente nos afunda cada vez mais na referida menoridade.
Não pude deixar também de, a partir da diferença entre minha opinião e a daquela que criticou a imagem, contrastar o essencialismo - presente na ideologia de Rousseau, que acreditava que o homem nascia com uma essência boa e sua existência na sociedade é que o corrompia - com o existencialismo, de Sartre, que defendia que o homem nasce sem essência e esta vai se construindo a partir de sua existência, de suas escolhas e ações, pelas quais, assim como pelas consequências delas, é inteiramente responsável.
O ponto de maior debate foi a responsabilidade da gafe cometida. De um lado, a falha era aceitável, afinal ninguém tem a obrigação de saber tudo - o que me remeteu ao essencialismo, pois não consegui desassociar essa noção da visão essencialista de que nossas ações são reflexo de algo pré-determinado - e de outro, o que defendi, que ao escolher se lançar à internet visando apenas uma resposta pronta, a respeito de algo para o qual nenhum interesse prévio aparente foi dirigido, o indivíduo estava apenas reforçando seu estado de menoridade e, era sim, responsável por sua gafe. Por mais que expor a situação de maneira jocosa não seja uma solução para o problema, era uma consequência a ser prevista ao ser tomada a decisão de se fazer a pergunta.
O resultado da discussão? Cada um continuou com sua opinião. No entanto, ao fim da reflexão, lembrei-me novamente daquele texto que me pedia para lançar um olhar diferente à realidade. Lembrei-me que o mesmo texto afirmava que, embora esta empreitada seja árdua e cheia de conflitos, os horizontes que se desvendam são repletos de novas possibilidades; possibilidades de mudanças e transformações tanto interna, como externamente.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A ignorância é uma benção.

Por que estamos aqui? Qual nosso propósito na vida? Somos apenas um amontoado de partículas? O que acontece depois da morte?
É difícil não perceber em muitas justificativas dadas pelas pessoas para qualquer uma das grandes questões da humanidade, e nas próprias questões em si, a dificuldade em separar medo e ansiedade dessa tentativa de explicar ou responder algo. Há uma enorme resistência em reconhecer que não somos a coisa mais especial que já existiu ou existirá no universo.
Não saber explicar alguma coisa nunca, em momento algum da história, validou a existência de uma suposição. Tentar validar o místico ou sobrenatural pela simples incapacidade de explicá-lo é, no mínimo, arrogante, além de reforçar a ignorância. A preferência pelo não saber ao invés da busca pelo saber.
É o famoso princípio do "se o ser humano não pode explicar, então só pode ter uma justificativa divina ou sobrenatural". No entanto, esquece-se que as divindades gregas e egípcias apareceram justamente pela incapacidade do ser humano em explicar as forças da natureza. E, nem por isso, continuamos adorando Rá ou Zeus.
Não conseguir explicar algo simplesmente prova o quanto precisamos continuar insistindo em buscar respostas e não nos acomodarmos. O medo de admitir isso, de cogitar a hipótese de que as coisas podem acabar com a morte ou de que somos, de fato, resultado de um processo complexo e intrincado que já dura milhões de anos e que, ser parte desse processo não nos torna o ápice dele, parece ser o suficiente para justificar nossa ignorância.
O ser humano insiste em negar sua condição de degrau na escala evolutiva. Não somos o resultado final da evolução, não fomos desenhados magicamente para nenhum fim. Somos a continuação de algo que dura milhões de anos e que está longe de acabar.
Se há algo que podemos aprender com a história da humanidade é que é graças a essa incapacidade de explicar tudo e não se satisfazer com qualquer resposta é que pudemos avançar tanto tecnologicamente e cientificamente. E, quando pararmos de nos considerar a coisa mais perfeita que já existiu e de acharmos conforto em nossa ignorância, quem sabe comecemos a progredir intelectualmente também.

Vídeo: Façade Of Reality (legendado)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Monismo x Dualismo: O Erro de Descartes

Talvez uma das características mais impressionantes do ser humano é a capacidade de questionar tudo a seu redor. É essa inquietação que nos leva a desenvolver pensamentos e tecnologias cada vez mais sofisticados e que, consequentemente, traz novas perguntas cada vez mais complexas.
No entanto, tão antiga quanto a busca por respostas é a enorme dificuldade em reconhecer ou, pelo menos, buscar entender, explicações mais concretas. O pavor de não sermos tão “especiais” como se insiste em acreditar que somos, frequentemente, causa a rejeição de explicações que não sejam fundamentadas em argumentos inexplicáveis, místicos ou sobrenaturais.
A velha máxima do “se não posso explicar, isso valida a existência de algo metafísico” está incrustada no pensamento humano como um parasita.
Um exemplo muito conhecido é o da discussão Monismo x Dualismo. Afinal, cérebro e mente são um só ou são entidades separadas? Até que ponto um influencia o outro?
De um lado, temos filósofos como René Descartes e John Locke que defendem o dualismo metafísico. Para eles, o espírito (mente) e o corpo (cérebro) são nitidamente distintos e habitam dois mundos irredutíveis, logo não podem ser uma única coisa. A própria Psicanálise, em sua separação da mente entre consciente e inconsciente é fruto dessa linha de pensamento.
Do outro lado, temos, em grande parte, psicólogos, cientistas cognitivos e neurocientistas. Dessa última profissão vale mencionar Antônio Damásio, neurocientista que estudou um paciente que teve seu cérebro lesionado e sua personalidade alterada.
Para Damásio e outros defensores do monismo, Descartes estava errado em afirmar que a razão é independente do corpo e das emoções. Os monistas acreditam que a mente comanda o corpo inteiro, mas as sensações que o corpo manda para mente são o que a induzem a funcionar de tal maneira.
É interessante observar nos argumentos dos dualistas a insistência de que a explicação não pode ser tão “simples” como cérebro e mente serem uma coisa só. É curiosa a ideia de que unicidade implica em simplicidade para esses pensadores.
O cérebro é altamente complexo por si só, o fato de a mente não estar em um mundo separado, não torna as coisas mais simples, muito menos mais fáceis de serem explicadas. Não é porque não podemos ver nossos pensamentos que eles têm que pertencer a um mundo metafísico.
Essa lógica exclusiva é altamente arrogante e, raramente, abre espaço para debates, questionamento e progresso intelectual, características muito comuns aos debates religiosos, outros grandes defensores do dualismo.
A raça humana só progride à medida que se questiona aquilo que é dado como certo, como fato irrefutável. A ausência de uma explicação clara para algo só prova que aquilo deve continuar a ser questionado para que se possa lapidar uma resposta cada vez mais elaborada e coerente.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Tecnologia x Progresso

Progresso. Talvez a melhor palavra para definir o que é ser humano. Ou seria ambição? Na infindável busca por progresso as barreiras entre avanços benéficos da tecnologia e pura ambição parecem estar cada vez mais em conflito.
Sempre cobiçando a imortalidade, insistindo tanto em se sentir deuses, a raça humana frequentemente esquece que o progresso não pode ser uma consequência da luxúria e da vaidade. Ainda que, em determinados casos, consequências benéficas tenham vindo dessa racionalidade distorcida, os benefícios deveriam ter sido a motivação e não a consequência.
A busca pela imortalidade é tão antiga quanto a raça humana. Dos elixires à criogenia, o sonho de viver para sempre nunca deixa de espreitar nossas mentes. Esse desejo desesperado de nunca morrer causou e continua causando mudanças em nossa sociedade a ponto de, frequentemente, pesquisas relacionadas a esse tema superarem as relacionadas a problemas mais importantes, como encontrar a cura para várias doenças, por exemplo.
Essa busca trás consequências imediatas. Por que viver para sempre se não se pode ser belo para sempre? Simples como possa soar, essa questão é determinante na cultura humana. Padrões de beleza ditam nossas vidas desde o início das mesmas. Impõem regras em nosso comportamento, estilo de vida, em nossa cultura, na própria História.
As pessoas raramente estão satisfeitas com a própria aparência e isso muito se deve ao bombardeamento de anúncios de “seja bonito ou você é inútil” na mídia (o que nada mais é que seres humanos fazendo seres humanos se sentirem “produtos ruins”).
Tudo começa com querer mudar nossa aparência e agora até os que estão pra nascer já tem que sofrer por essa vaidade sem sentido. Dinheiro é desperdiçado no design de bebês, dinheiro que poderia ser usado em dar aos bebês melhores condições ou até mesmo em investidas científicas mais úteis.
Geralmente começa como uma ideia nobre. Mas tão logo as pesquisas comecem sempre haverá uma pessoa ou instituição com ideias distorcidas esperando para transformar o objetivo original em um subproduto da ganância. Fazendo com que as pessoas acreditem cada vez mais que são deuses.
A clonagem humana é um exemplo disso. A ideia inicial era clonar partes do corpo para substituir membros que foram perdidos em acidentes, no nascimento, etc e acabou resultado em tentativas de clonar um ser humano.
É interessante observar que quando se trata de beleza, a humanidade parece ansiar em ser igual, em fazer parte de um todo, mas quando se trata de raciocinar, só pensem em si.
A tecnologia certamente traz muitos benefícios para a sociedade, isso é inquestionável. O problema é e sempre será a raça humana. O progresso se transforma em ambição, honestidade em ganância, cuidado em vaidade. Se tanto dinheiro assim não fosse desperdiçado em dar atenção a estes sonhos fúteis é bem possível que muitos problemas existentes já tivessem sido resolvidos.
Se queremos mudar, comecemos por nossas mentes, não por nossos corpos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Não é a sociedade que faz o indivíduo ignorante e sim, o indivíduo quem a torna ignorante.

Essa semana o Paraná TV, jornal do meio dia da RPC, filial da Globo no Paraná, apresentou uma reportagem da campanha Paz Sem Voz é Medo, iniciativa do GRPCOM pela paz no Paraná.
Não tenho o hábito de assistir televisão, logo só fiquei sabendo dessa reportagem devido a várias menções da participação de um professor de Psicologia da PUC-PR com quem tive aulas semestre passado e tenho esse semestre, o professor Naim, na edição de segunda feira, discutindo a importância da boa educação em casa para a redução da criminalidade.
O que me chamou atenção nas várias menções, além do nome do professor, obviamente, foi que nenhuma delas discutia ou sequer citava o conteúdo da reportagem. Em todos os casos, era mais importante a participação de um rosto conhecido do que a gravidade do assunto que estava sendo discutido.
A pesquisa realizada pelo Grupo Paranaense de Comunicação revela aquilo que já é de conhecimento geral há muito tempo. A necessidade de investir na formação e remuneração da força policial e no aumento do efetivo da mesma.
Além disso, 54% dos entrevistados acreditam que a boa educação dos filhos é essencial para combater a criminalidade, 45% apontam a importância de cobrar mais do governo, deputados e senadores e 38%, a necessidade de denunciar crimes ao presenciá-los ou tomar conhecimento dos mesmos.
Considerado o ponto que necessita de mais atenção, a educação dos filhos tem como principais problemas apontados a falta de imposição de limites e a desestruturação da família tradicional. A própria escola vem apresentando uma dificuldade cada vez maior e, muitas vezes, até um desinteresse, em impor estes limites.
No que concerne a educação de uma criança, o ideal se dá quando estão presentes, de maneira equilibrada, figuras de funções maternas e figuras de funções paternas. Estas figuras, no entanto, não se limitam a mãe e ao pai.
Entende-se por função materna, a pessoa ou instituição que cuida, que contém os sentimentos da criança e, com tranquilidade, dá-lhes significado e sentido. É quem dispõe de capacidade amorosa para ouvir, perceber e atender à necessidade manifesta pela criança.
Já a função paterna é representada pela possibilitação à criança de conhecer novas relações, novos elementos do mundo. De, simbolicamente, tirá-la do colo materno, de impor limites e a realidade.
Ainda assim, o que se observa atualmente é cada vez mais a ausência da função paterna na educação. Tanto a mãe, como o pai e como a escola falham constantemente em definir limites e reforçá-los, em grande parte devido ao medo de perder o controle sobre a criança, quando não percebem que é justamente essa falta que causa a perda de controle.
No entanto, os dados apresentados pela pesquisa nos levam a questionar outro problema muito presente em nossa sociedade. Oras, se 54% defendem a necessidade de uma melhor educação em casa e ainda 45% dizem ser crucial cobrar mais das autoridades por que o que se vê é justamente o contrário?
O desinteresse político e a educação pobre recebida aumentam exponencialmente mesmo quando se sabe que o que é preciso para melhorar é justamente o oposto? Não parece coerente então, dizer que o que falta ao povo brasileiro para melhorar é conhecimento a respeito destes problemas.
Poderia continuar aqui buscando motivos para justificar os déficits na educação, mas a verdade é uma só: a mudança começa no indivíduo. De nada adianta reconhecer o problema e nada fazer para mudá-lo. De nada adianta assistir um vídeo sobre tão importante tema e se importar apenas com a personalidade presente nele.
Muito da responsabilidade pelo atual caos em que vivemos se atribui à sociedade, como se a sociedade não fosse composta por indivíduos.
O problema é que a noção de indivíduo nessa Era da Informação está cada vez mais atrelada ao individualismo e ao hedonismo. Ignora-se o conceito de indivíduo como alguém que é parte de um todo. E o todo não muda de maneira efetiva se suas partes não se voltarem para essa mudança.
A falta de voz que percebo é a prevalência da ignorância. Daqueles que podem ter voz, mas preferem omitir-se. Daqueles que veem o problema, mas preferem virar os olhos.
Já dizia uma música: "Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a gente muda, a gente anda pra frente."

Links:
http://migre.me/5pNLn (Vídeo da reportagem)
http://migre.me/5pNLX (Função materna e função paterna)
http://migre.me/5pL8y (Campanha Paz Sem Voz é Medo)
http://migre.me/5pNTi (Gabriel, O Pensador - Até Quando?)

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A relação causal entre o uso da maconha e o desenvolvimento da esquizofrenia.

O uso da maconha é um tema recorrente em nossa sociedade, tendo como principal foco de discussão a legalização dessa droga. É sabido que os principais consumidores são jovens que são introduzidos a esse psicotrópico das mais variadas formas.

O artigo escrito pela enfermeira, concluinte do Curso de Especialização em Toxicologia Aplicada da UEL, Vanessa Kelly de Oliveira e pela Docente do Departamento de Ciências Fisiológicas, CCB, UEL, Estefânia Gastaldello Moreira traz novo combustível para tão polêmica discussão.

O que elas fizeram foi levantar a bibliografia dos trabalhos que estabelecem uma relação causal entre o uso abusivo de maconha e a manifestação da esquizofrenia. E os dados são alarmantes. De acordo com os estudos, a adolescência pode ser um período de vulnerabilidade do encéfalo para os efeitos adversos da maconha, o que aumentaria o risco de desenvolvimento do distúrbio psiquiátrico em até 3 vezes.

A esquizofrenia caracteriza-se por alterações do pensamento, da afetividade e do comportamento, tendo sintomas que são classificados em positivos (ilusões, alucinações, etc) e em negativos (alterações de afetividade que levam a perda de sentimentos e emoções). As conseqüências são desastrosas aos portadores, bem como para as pessoas que convivem com os mesmos.

Atualmente, as alterações no encéfalo são atribuídas a fatores genéticos e/ou ambientais. Estes últimos podendo ser intrauterinos (infecções, desnutrição materna, etc) ou extrauterinos (estresse emocional, uso de drogas psicotrópicas como cocaína, anfetamina e maconha, etc).

Estima-se que 9% dos adolescentes já usaram maconha pelo menos uma vez na vida (CARLINI ET AL.; 2002). A droga, classificada como um perturbador do Sistema Nervoso Central promove desorientação espacial e temporal e alterações do tato, visão e audição, além de causar dependência e tolerância. (SEIBEL; TOSCANO JUNIOR, 2004).

Estudos mostrando a relação de maconha como possível desencadeador de esquizofrenia aparecem desde 1962. Alguns defendem a casualidade (o abuso de substâncias desencadearia esquizofrenia, pelo menos em indivíduos com predisposição – MUESER et al., 1990) enquanto outros acreditam no modelo da auto-medicação, além dos que defendiam a idéia de que seria uma mera coincidência de duas desordens psiquiátricas (dependência e esquizofrenia).

O primeiro a investigar a hipótese causal foi um estudo epidemiológico sueco que acompanhou 50.000 jovens durante 15 anos (ANDREASSON et al., 1987). Eles descobriram que, para pessoas que haviam usado maconha mais de 50 vezes, a relação dose-resposta teve um risco aumentado de 3,1 vezes.

Vários outros estudos reforçaram a hipótese causal, mas há também evidências biológicas apontadas como determinantes para o desencadeamento da esquizofrenia.

O principal canabinóide responsável pelos efeitos psicoativos da maconha é o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) que atua como agonista de receptores canabinóides, que quando ativados, levam à inibição neuronal. O sistema canabinóide está implicado na patogenia da esquizofrenia e a ativação desse sistema pelo uso de maconha poderia ser a base neurobiológica que explicaria o desencadeamento de esquizofrenia pelo uso de maconha.

Outro possível mecanismo biológico é a sensibilização à dopamina. Indivíduos que usam regularmente maconha tornam-se progressivamente mais vulneráveis às aberrações cognitivas e sensoriais induzidas pela dopamina e passíveis de progredir para sintomas psicóticos (HOWES et al., 2004).

Alguns estudos mostraram que, quanto mais cedo se dá o início do uso de maconha, maior é o risco de desenvolvimento de psicose o que levaria ao questionamento já corriqueiro de quais as possíveis conseqüências de uma legalização do uso deste psicotrópico.

Embora não se tenha certeza se indivíduos sem predisposição a desenvolver esquizofrenia podem desencadeá-la através do uso da maconha, o simples fato de afetar indivíduos predispostos ao distúrbio já vem como forte contra-argumento aos usados pelos defensores da liberalização da droga.

Cabe também questionar por que, mesmo com a proibição da comercialização da maconha, o número de jovens que a consomem cresce cada vez mais e a idade em que se dá início ao consumo diminui cada vez mais.

Considerando que a esquizofrenia atinge, aproximadamente, 1,1% da população (REGIER et al., 1993), sendo que o início da doença para homens ocorre geralmente no final da adolescência ou por volta dos 20 anos, é necessário haver uma atenção especial para evitar que esse índice cresça cada vez mais simplesmente por descuido tanto por parte dos pais, amigos ou colegas como na fiscalização que deveria acontecer por parte das autoridades.

No que concerne o cuidado dos pais, o diálogo e até mesmo a fiscalização em caso de suspeita podem evitar uma grande dor de cabeça num futuro próximo. Quanto a ações das autoridades, cabe à população interessada exigir uma melhor fiscalização e denunciar possíveis pontos de venda em suas vizinhanças. Aos amigos e colegas cabe recriminar de maneira crítica e contundente a fim de zelar pela saúde dos que estejam consumindo esta droga.

Com dados tão alarmantes expostos no artigo de Vanessa Kelly e Estefânia Gastadello, fica bem claro a importância de cuidado e atenção especiais em relação ao principal público consumidor da maconha - os adolescentes - a fim de evitar, naqueles que tem uma predisposição a desenvolvê-la, o desencadeamento da esquizofrenia.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Química da Paixão

Entender um comportamento envolve uma série de questionamentos. Como ocorre o comportamento? Porque o comportamento ocorre? Quando e com quem o comportamento ocorre?
            A cada uma dessas perguntas podemos associar um fator. A resposta à primeira pergunta define os aspectos biológicos, à segunda, os etológicos e à última, os psicológicos.
            O amor e a paixão são comportamentos que despertam curiosidade no ser humano há muito tempo. No entanto, por muitas vezes eles são retratados de maneira exageradamente romântica. O texto “A química da paixão” e o documentário “O que acontece quando nos apaixonamos” tentam explicar esses dois misteriosos fenômenos através da resposta às questões previamente elucidadas.
            A mais fácil de ser respondida é a referente aos fatores biológicos. Os hormônios e neurotransmissores, que tem sua produção elevada quando estes sentimentos são despertados, causam as mais variadas reações. Elevação da temperatura corporal, aumento da freqüência cardíaca, dilatação dos vasos sangüíneos, confusão no uso da linguagem e até mesmo nos movimentos.    
            A voz, o contato, o cheiro e o beijo. Todos eles contribuem para a intensificação do prazer causado pela liberação de neurotransmissores como a dopamina e a endorfina. Além disso, os dois últimos têm também a função de identificar uma compatibilidade genética com o/a parceiro/a escolhido/a.
            Ainda sobre o beijo, é ele quem serve como primeiro passo para um contato mais íntimo. Ele aumenta a salivação, eleva a produção de endorfina e desencadeia uma serie de transformações do corpo para a relação sexual intensificadas pela produção de dopamina, ocitocina, testosterona e luliberina.
Buscando responder o porquê de determinado comportamento ocorrer seguem-se os fatores psicológicos que abrangem desde alterações no apetite, até reações totalmente opostas e exageradas, sensações inexplicáveis como uma falta de algo que não pode ser definido, a visão idealizada do alvo da paixão ou do amor, entre outros. Embora pareçam inexplicáveis, essas atitudes todas tem seu respaldo biológico ou etológico.
A etologia, por sua vez, busca explicar o comportamento sob um ponto de vista evolutivo. A paixão teria sua explicação na necessidade de se unir em pares, pelo menos para criar o filho, das mulheres das savanas africanas há quatro milhões de anos que sofriam muito para encarar longas jornadas com uma criança de colo em busca da sobrevivência sem a companhia de um macho para protegê-las dos perigos da viagem.           
Essa necessidade de se unir em pares poderia ser o precursor da monogamia que é justamente o ponto central do livro “O mito da monogamia” do casal de cientistas David Barash e Judith Eve Lipton.
            Os dois, monógamos convictos, tentam em seu livro demonstrar como a monogamia é um comportamento que vai contra a natureza humana se baseando em argumentos com embasamento etológico.
            Do ponto de vista biológico, a função de um relacionamento é a busca de um parceiro ideal para a procriação. No livro é defendida a tese de que na busca deste companheiro, que seja um bom pai, protetor, amigo, etc, a mulher estimularia inconscientemente uma competição espermática, que é definida como a disputa entre espermas de mais de um macho para fertilizar os ovos de uma fêmea.
            Tanto o homem como a mulher possuem uma série de dispositivos biológicos que vão tornar essa disputa muito acirrada. Alguns exemplos desses dispositivos seriam, no lado feminino, a produção de anticorpos antiespermatozóides, o armazenamento de espermas de cópulas sucessivas, a ovulação oculta e o orgasmo feminino.
            Já no homem, a quantidade de esperma transferido, o tamanho do pênis, a capacidade do esperma de interferir no de outro homem, entre outros fatores, são determinantes para decidir o vencedor na batalha pela fertilização do óvulo.
            O conteúdo deste livro, embora pareça, em um primeiro momento, uma crítica à monogamia, nada mais é que uma elucidação de aspectos evolutivos e biológicos do ser humano que apontam para uma tendência a ter relacionamentos extra-pares para obter maior sucesso reprodutivo.
            Isso não quer dizer que a monogamia não tenha se tornado uma ferramenta social e cultural de importância crítica em nossa sociedade. É difícil apontar exatamente um modelo que encerre toda a condição humana.
            Ao final, o que importa é a consciência estar tranqüila de que a melhor escolha foi feita sempre visando respeitar o próximo.
            

quarta-feira, 23 de março de 2011

Conhecimento


Não é difícil chegar à conclusão de que todos os valores importantes para se viver em sociedade como a família, ética, educação, etc, estão em plena crise.

Um dos possíveis responsáveis por isso é a falsa idéia de que já “realizamos todas as possibilidades de aperfeiçoamento, de aprimoramento de nossas condições de vida individual e social” (Antônio Joaquim Severino).
Isso nos levou a deixar de buscar o conhecimento necessário para tentarmos compreender e transformar o meio em que vivemos.
Ao pensar em conhecimento imediatamente vem à mente a idéia de livros, escolas, universidades. O que não é de todo errado, mas não deve se resumir somente a isso. “Conhecimento é a forma de tornar a realidade inteligível, transparente, clara, cristalina.” (Cipriano C. Luckesi).
No que concerne a área da educação, o principal problema nessa busca, é que este processo tornou-se uma simples memorização, sem haver uma compreensão efetiva da realidade. Muitos professores selecionam textos difíceis de compreender, esquecendo-se de que o texto deve desafiar o aluno a apropriar-se de sua significação profunda. Isto é um reflexo daquilo que Paulo Freire chama de “educação bancária”.
Tanto a escola como a universidade devem buscar fornecer para os alunos os conhecimentos e habilidades necessários para que estes possam compreender e transformar o mundo em que vivem.
“O conhecimento que se transforma em consciência social é um instrumento básico na luta pela transformação.” (Cipriano C. Luckesi)

terça-feira, 22 de março de 2011

A Etologia como ferramenta para estudos de Psicologia

O homem tende ao conhecimento. Se fôssemos tentar nos distinguir dos outros animais esta seria, provavelmente, a maior diferença que poderíamos apontar. O ser humano sempre sentiu e sempre sentirá uma grande necessidade de procurar explicações para todos os mistérios que o rodeiam.
Essa constante busca por conhecimento vem acompanhada de uma série de consequências positivas e negativas. Positivas, pois é graças a essa “obsessão” que pudemos avançar tanto tecnologicamente, intelectualmente e socialmente. No entanto, tão relevante quanto os benefícios, é o aspecto negativo: a arrogância que se consolidou tão firmemente em nossas mentes.
Acreditamos que somos melhores e mais importantes que todos os outros animais que populam a Terra. Por muitas vezes, inclusive, esquecemos que somos, também, animais e que muitos de nossos comportamentos não só se repetem entre outras espécies, como se originaram nelas.
O comportamento pode ser definido como a “modificação do organismo do animal em reação ao meio interno ou externo” (Marta Fischer). É alvo de estudo de muitas áreas que o abordam sob vários pontos de vistas diferentes tais como, social, humano, animal, etc.
A ciência que estuda o comportamento animal, tendo como preocupação básica a evolução do comportamento através do processo de seleção natural é a Etologia.
A Etologia se sustenta na busca de respostas para cinco importantes questões sobre o comportamento:
1.      Qual a sua causa?
2.      Qual a sua função?
3.      Como se desenvolve o padrão comportamental?
4.      Como evoluiu?
5.      E quanto pode modificar-se no decorrer da vida?
Essa área é de grande importância para a Psicologia, uma vez que se acredita que
 “muitos princípios psicológicos aplicam-se a todos os animais, incluindo as pessoas” (Burghardt, 1985). Adiante iremos citar e comentar criticamente algumas aplicações metodológicas e práticas da Etologia na Psicologia.
            O papel desenvolvido pelo estudo do comportamento animal a partir da perspectiva evolucionária tem sido extremamente relevante para questionamentos sobre todos os estágios da vida, desde a determinação do sexo de um bebê, passando também, por pontos como a interação mãe/bebê recém-nascido, o pós parto, a sexualidade, entre outros.
            Hoje já temos técnicas que nos permitem determinar com exatidão se um bebê será do sexo masculino ou feminino. No entanto, a natureza também tem sua maneira de fazer isso. Sabe-se que o óvulo é que determina qual o espermatozóide será escolhido baseado na quantidade de energia que aquele tem. O espermatozóide mais forte, aquele que carrega o cromossomo Y, é o mais adequado para óvulos com muita energia gerando, portanto, descendentes do sexo masculino. Já o que carrega o cromossomo X é mais fraco e fecundaria óvulos com menos energia resultando em descendentes femininos.
            No mundo animal, essa fórmula é especialmente importante para animais territoriais e já foi comprovada para cervos, por exemplo (Marta Fischer). Se a fêmea for frágil e não puder prover um bom território é mais interessante gerir uma menina, que não precisará lutar tanto para sobreviver como um macho, uma vez que sempre terá parceiros para copular com ela, garantido a perpetuação da espécie.
            A questão energética está diretamente ligada à alimentação. No ser humano, homens com menos energia nas células (alimentação menos calórica) produzem espermatozóides mais fortes que irão fecundar os óvulos mais energéticos de mulheres com menos energia nas células, gerando meninos. Por outro lado, os com mais energia celular (alimentação mais calórica) produzem espermatozóides mais fracos que irão fecundar os óvulos menos energéticos de mulheres com mais energia celular, gerando meninas. Isso explica por que, por exemplo, “nas regiões brasileiras onde, normalmente, os habitantes exageram na alimentação muito calórica nascem mais meninas que meninos” (Marta Fischer).
            No caso da interação mãe/bebê observou-se que estudos feitos com animais são de grande contribuição para as relações iniciais entre recém nascidos e seus pais. Por exemplo, tanto nos ratos como nos seres humanos o contato físico e estímulos auditivos (o choro para bebês e vocalizações ultrasônicas para filhotes de ratos) são importantes ferramentas para fortalecer essa interação. Graças a estudos assim pôde-se instaurar uma importante mudança na rotina de hospitais de modo a valorizar o contato físico inicial entre bebês e seus pais.
            Não é raro observar a rejeição dos filhotes por parte das mães nas mais variadas espécies animais. Os principais motivos para isso são medo ou inexperiência no momento do parto, presença de animais estranhos, desequilíbrio nutricional da mãe, má-formação do feto, etc.
            Esse comportamento também é muito comum entre humanos, tendo como exemplo mais conhecido a Depressão Pós Parto (DPP). Um estudo de Edward Hagen da Universidade de Califórnia aponta que a DPP pode ser um dispositivo evolutivo de uma mãe que não teve apoio paternal ou social ou que teve indicadores de problemas de saúde do bebê e, como conseqüência, reduz o “investimento” na cria.
            Assim como os outros animais têm que decidir, em dado momento, se é mais interessante investir energia em uma cria, em procurar parceiros ou neles próprios, as mães humanas que considerarem esse investimento pouco benéfico podem acabar desenvolvendo a DPP como uma maneira de se adaptar a uma situação adversa ou de “negociar” um investimento maior por parte de outros.
            Outro fenômeno muito interessante na natureza é o da Estampagem. Ele pode ser definido como a aquisição de comportamentos ou idéias devido a uma exposição constante nos estágios iniciais da vida, especialmente no estágio que o etologista Konrad Lorenz definiu como “período crítico”. Um exemplo são as aves que deixam o ninho logo após saírem de seus ovos e que copiam os movimentos que seus pais fazem seguindo-os por todos os lugares.
            Esse fenômeno também é observado nos bebês humanos que aprendem a distinguir quem é o pai e quem é a mãe já dentro do útero, uma vez que bebês já são capazes de ouvir nossas vozes antes mesmo de nascerem.
            A sexualidade é um tema largamente explorado pela etologia com inúmeras aplicações na Psicologia. Entender alguns comportamentos humanos referentes a esse assunto se tornou muito mais fácil depois que teorias evolucionistas começaram a ser aplicadas para desvendar os mistérios que circundam esse tópico.
            A Estampagem citada anteriormente também contribuiu para tentarmos entender comportamentos como os fetiches. Nos períodos críticos do início da vida a estampagem sexual é o que ensina um animal jovem as características de um parceiro desejável. Se objetos como um sapato forem “estampados” isso poderia justificar como fetiches em sapatos, se desenvolvem, por exemplo.
            Através de tantos exemplos fica evidente a importância da Etologia e suas derivações para a melhor compreensão do ser humano como um ser biopsicossocial. As idéias de que conseguimos dominar as ciências humanas e de que estamos em oposição a esta tem se provado cada vez mais equivocadas graças a avanços dessa ciência e suas implicações em outras áreas do saber, como a Psicologia.
            O fato de termos semelhanças com outras espécies não nos torna inferiores ou tampouco, menos importantes. Simplesmente, realça a importância e atenção que temos que dar para as outras espécies como seres que dividem conosco a mesma biosfera e que podem ter mais em comum conosco do que imaginamos.

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